Os ipês amarelos floresceram

Jornal O Norte
Publicado em 17/08/2011 às 08:50.Atualizado em 15/11/2021 às 06:03.

Alberto Sena (*)



Agora que os ipês amarelos estão floridos, abro a janela e aproveito para manter com eles um diálogo, porque a florada deles é curta, dura em média 15 dias. Daqui da minha janela vejo onze ipês floridos, entretanto o número deles é maior. Desconheço a razão, mas alguns se recusaram a florescer este ano. Então eu conto um por um e vou reparando a beleza deles, no conjunto. Sempre há um ipê que chega à exuberância total. Vou conversando com eles da janela mesmo.



Moro no quarto andar de um prédio de seis andares. A distância entre mim e os ipês é cerca de 30m. O nosso diálogo é mudo. Ou melhor, mental. Eu falo com os ipês mentalmente e imagino que eles me respondam, pois escuto dentro de mim uma vozinha. Dependendo do tom da voz imagino ser desse ou daquele ipê.



Há ipê de todos os tamanhos. Dois deles parecem já ter atingido a idade adulta, madura. Há uns intermediários, jovens, numa comparação, como gente humana naquele hiato entre a saída da adolescência e início da fase adulta. Estão emancipando-se. Há também pelo menos três que posso dizer, são crianças ainda. E o mais gostoso é ver que embora sejam crianças, florescem. Não com aquela exuberância dos ipês adultos.



Quando vier o mês de setembro, talvez nenhum deles tenha mais flor. Os ipês, como árvores caducifólias, que perdem as folhas numa fase do ano, ficam peladinhos. Depois as folhas começam a aparecer e chega uma fase em que ganham uma espécie de vagem.



Ano que vem, quando chegar agosto, tudo se repetirá. Inda bem. É impagável o espetáculo que assisto já faz década e meia. O ipê amarelo é o símbolo do Brasil vivo feito de gente bonita, inteligente, valorosa. Eu acredito muito no Brasil. Acredito não nesse Brasil que a gente lê diariamente e vê passar na internet e na TV.



Acredito no Brasil que a mídia não mostra, porque se está funcionando, mudando, desenvolvendo, está, como se diz, fazendo a obrigação. A mídia prioriza quase sempre o que possui teor forte das chamadas ‘emoções primárias’, mas para o lado da dor, violência, acidente, morte.



Enquanto converso com os ipês, eles, que são todos ouvidos floridos, vão me escutando e se aprovam o que eu digo, dão uma balançadinha. Quem não ouve a nossa conversa acha que os ipês balançam porque receberam uma lufada de vento. Ledo engano. Acho que toda pessoa tem a capacidade de conversar com os ipês ou com as árvores de modo geral, as plantas e também com os animais. Essa capacidade é intrínseca do ser humano. Mas não é todo ser humano que tem essa capacidade desenvolvida.



O grande psicanalista suíço, filósofo e escritor, Carl Gustav Jung, autor de O Homem e os seus Símbolos e Memórias, Sonhos, Reflexões ensina que é bom exercício para a criatividade e para o ser humano resgatar o amor ao próximo praticar a contemplação dos elementos naturais como árvores, montanhas, nuvens. As nuvens têm um particular, segundo ele mesmo, são exercícios à criatividade por causa dos movimentos rápidos, que até lhes valeram a clássica comparação: Política é como nuvens; num momento está de um jeito e logo mudam.



Para mim, os ipês são livros abertos, floridos, pelados, vestido de novas folhas e vagens, segundo cada uma das suas fases; mas são livros. A mata onde moram os ipês é feita de muitas outras árvores. Não sou dendrologista, pessoa estudiosa de árvores, mas conheço algumas delas. Daqui da minha janela posso identificar. Vejo mangueiras, ameixeiras, quaresmeiras, paineiras, pau-d’oleo, álamo, bananeiras e arvoredos que daqui não dá para identificar.



Gostoso é de manhã cedo. Fico esperando o sol brotar por detrás da Serra do Curral e agradeço a Deus por tê-lo criado para nós. Passo os olhos pela linha do horizonte da serra e me vejo calçado de bota de trekking andando, subindo e descendo aquele maciço ferroso de acordo com a linha tortuosa que desenha como se estivesse grudada no azul do céu.



Mostro a palma das palmas ao sol e só mudo de posição depois de sentir que estão quentes. Enquanto contemplo a mata, aprecio as tonalidades de verde. Há o verde claro como folhas de cana; há o verde intermediário e o verde forte das árvores frondosas.



Nesta fase do ano, final de estio, as árvores estão como que pedindo chuva. Aqui na nossa região as primeiras chuvas só caem a partir de setembro. Em outras regiões, como no Norte de Minas, as chuvas caem, quando acontecem de cair, a partir de novembro entrante dezembro.



No Norte de Minas há também muito ipê amarelo. Quem quiser apreciar ipês é só viajar de carro ao Norte de Minas para enxergar de um lado e do outro da estrada os ipês floridos.



Na Serra do Cipó, também. A Serra do Cipó é o lugar mais bonito encontrado num raio de 100 km ao redor de Belo Horizonte. Os ipês de lá também conversam com quem tem capacidade de conversar com eles.



No mato, o que eu mais faço é abraçar árvores.



No Parque das Mangabeiras entre todas as árvores daquela floresta linda há enorme angico que Sílvia e eu fazemos questão de abraçá-lo, tanto na ida como na volta de nossas caminhadas por lá.



Andar é conosco mesmo. Ir daqui de casa até ao Mercado Central, a pé, e voltar é para nós moleza. Gostamos de fazer grandes caminhadas, daquelas que demandam dias, como o Caminho da Fé, 300 km, 15 dias de caminhada. Subir e descer a Serra da Mantiqueira. Já fizemos esse percurso três vezes.



E para ir um pouco mais longe, é gostoso fazer o Caminho de Santiago de Compostela, na Espanha. Já o fizemos duas vezes. Na primeira, saímos de Burgos, ex-capital espanhola, e fomos até Santiago de Compostela, 500 km. Na segunda vez, saímos de San Jean de Pied-Port, no sul da França, e entramos na Espanha até Santiago, mais de 800 km.



Não tem um dia sequer que deixamos de fazer na lembrança parte do Caminho da Fé ou do Caminho de Santiago. Inda mais quando nos acotovelamos no parapeito da janela e enquanto apreciamos os ipês floridos, a mata que os escravos plantaram há mais de um século e os contornos da Serra do Curral, aí é que viajamos mesmo.



Os ipês amarelos são deveras lindos. As flores evocam as boas lembranças. Nessas horas constatamos, lembranças têm asas. Voam.



Escritor (*)


 

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