Ora, direis - por Antônio Augusto Souto

Jornal O Norte
Publicado em 02/02/2007 às 12:28.Atualizado em 15/11/2021 às 07:57.

Não me lembro de ter, uma vez sequer, parado para olhar, à noite, o céu desta cidade que amo e que me adotou. Em razão disso, nunca me senti à vontade para falar, em verso ou prosa, de estrelas e luares do sertão.



Por outro lado, acho que de nada adiantaria prestar atenção no céu noturno: a iluminação urbana, com certeza, esmorece estrelas e intimida luares.



E há mais: ficar parado em esquina, sozinho e olhando para cima, é risco incalculável. A bandidagem anda assanhada, livre, leve, solta e ativíssima. Armada e confiante na impunidade, circula, o tempo todo e por todas as partes, de moto, bicicleta, de carro ou a pé. A propósito, pode-se ler nos jornais, todo santo dia, que foram presos tantos bandidos, todos eles com dezenas de passagens pela polícia. Conclusão possível: registra-se mais uma passagem e pronto. Parece absolutamente fora de questão que, logo no primeiro delito, venha a ser o delinqüente convencido de que é péssimo negócio expor-se ao código penal. Para encerrar este parágrafo, devo dizer que não estou criticando quem quer que seja. Cronista não critica ou censura. Apenas escreve crônicas.



É melhor voltar, imediatamente, ao céu e às estrelas.



Fim de semana desses, passei uma noite em fazenda de parentes. Por falar nisso, acaso sabe o amigo leitor que o melhor lugar do mundo para se passar fim de semana é fazenda, sítio ou chácara de parente ou amigo? Pois é. Chega-se de mãos abanando, bebe-se e come-se à farta e de graça. Na saída, ainda é possível pegar uns queijinhos, ovos caipiras, frutas, verduras... Basta dizer muito obrigado, abraçar o dono, dar beijinhos na dona e deixar garrafas vazias; pratos, copos  e talheres sujos. Sei de gente que, já na viagem de volta,  reclama: cerveja quente,  uísque de apenas oito anos,  cachaça curraleira, copos de requeijão, picanha mal cortada, frango gorduroso...



Como ia dizendo, passei noite em fazenda. Lá pelas tantas, depois das bebidas e da comida, sugeri que se apagassem as luzes desnecessárias. O tempo estava firme, nem sinal de nuvem. Fomos, eu, o dono e mais duas ou três pessoas, para o pátio escuro, olhar o céu estrelado. Parecia aquele disco azulão da bandeira, ampliado ao infinito, cheio de muito, muito mais estrelas e, claro, sem o lema dos positivistas. Que espetáculo!



Alguém começou a falar de Via Láctea, Três Marias, Ursa Maior, Cruzeiro do Sul... Isso não me interessava. Afastei-me dos companheiros, isolei-me, perto de porteira de curral. Pensei em Olavo Bilac: aquele negócio de falar com as estrelas, ouvi-las e, em rima preciosíssima, entendê-las.



Pensei em Dulce Sarmento, que eu amava e admirava. Minha amiga absolutamente linda que se foi, há tanto tempo! Pensei que uma daquelas estrelinhas longínquas bem que poderia ser ela.



Dulce Sarmento, faz mais de cinqüenta anos, compôs letra e música do que deveria ser o hino oficial destes Montes Claros. A letra falava de prados verdejantes, da saudade que assalta quem está ausente, de estrelas e luares.



O hino de Dulce foi esquecido e, não faz muito, fez-se concurso para escolher música que viesse a representar a cidade. Já não me lembro da vencedora.



Pelo menos um pouco de justiça se fez: minha queridíssima é nome de colégio estadual e de  avenida.



Encerrei a contemplação, retornamos a casa e as luzes foram reacesas. Uma coisa, porém, ficou em meu coração: aquela estrelinha que insistia em brilhar, no infinito, tinha nome e pertenceu ao mundo em que respiro.

Compartilhar
Logotipo O NorteLogotipo O Norte
E-MAIL:jornalismo@onorte.net
ENDEREÇO:Rua Justino CâmaraCentro - Montes Claros - MGCEP: 39400-010
O Norte© Copyright 2025Todos os direitos reservados.
Distribuído por
Publicado no
Desenvolvido por