Uma vez mais, minhas andanças pelas ruas da cidade deixaram-me indignado. E esse sentimento se manifesta, normalmente, quando algo que se dá valor é aviltado de alguma forma e não se pode continuar assistindo passivamente à agressão. Nesse rol encontram-se a liberdade de expressão, o direito de ir e vir, a proteção à vida, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e arquitetônico de uma cidade.
Em situações que tais, a condição de cidadão impõe-nos não só atenta vigilância, mas também nossa reação tempestiva, nem que seja para rotular-nos de tolos, saudosistas, utópicos, sonhadores e retrógados.
O que me tira do sério, agora - e disse isso sábado retrasado, quando era entrevistado no programa radiofônico “Márcia Vieira em Revista” -, é a intervenção feita na fachada do Cine Fátima, que a desfigurou totalmente, da noite para o dia.
E a minha indignação foi maior porque talvez tenha contribuído para isso. Explico: faz poucos meses escrevi uma crônica lembrando-me, com saudade, das matinês no Cine Fátima, nas mornas tardes de domingo. Ao final, registrei que, embora não mais funcionasse como casa de projeções cinematográficas, e sim como casa de bingo, contentava-me em contemplar a bela construção, com sua fachada em “arte dèco” ainda preservada, que nos remetia a uma gostosa revisita ao passado.
Mas a fachada,a partir de então, durou muito pouco. E, por isso, sinto-me um pouco culpado por ter chamado a atenção para ela.
Coincidentemente,na mesma semana do início das obras que transformaram o prédio do Cine Fátima em mais um grande caixote, sem qualquer valor arquitetônico, eu lançava um novo livro (Noturno para o sertão), e reproduzia a crônica onde manifestava a minha admiração em relação àquela edificação portentosa do final dos anos 50, legado do arrojo e do empreendedorismo do sr. Euler de Araújo Lafetá.
Assim, pela inoperância dos órgãos ditos competentes - ou com a sua complacência ao autorizar a obra de reforma -, lamentavelmente mais um prédio é desfigurado, talvez para ficar a salvo de um provável e justo tombamento.
Ao que parece, querem construir uma cidade nova - mas muito mais feia - no mesmo local onde outra já existe. E isso, além das dificuldades fáticas, soa como ausência de planejamento e falta de rumos, pois ainda temos grandes vazios urbanos e espaço de sobra no entorno da nossa frankstênica cidade, que poderiam ser utilizados para descentralizar o comércio.
A velha Montes Claros - como a Itabira do poeta Drummond -, está se transformando, tristemente, em um retrato na parede... E como dói!
Causa-me perplexidade, finalmente, verificar a falta de compromisso e de responsabilidade social de certas empresas que aqui aportam já desrespeitando as sagradas tradições e o patrimônio histórico locais. Isso, ao arrepio das modernas regras de governança corporativa, que sinalizam para a busca de uma convivência interativa e harmoniosa com a comunidade anfitriã.
Com ações deletérias dessa natureza, essas empresas forasteiras, ao contrário do lucro que esperam, podem, em prazo não muito longo, colher frutos não muito benfazejos, porque o povo normalmente reage quando é atingido por tais golpes e compram na concorrência.
Como diria nosso saudoso amigo Lazinho Pimenta, “quem viver, verá”. Por isso, lembro mais uma vez: montes-clarense, olhai bem os Montes Claros!