Olhai bem os Montes Claros - II, por Itamaury Telles

Jornal O Norte
12/01/2007 às 11:35.
Atualizado em 15/11/2021 às 07:55

Uma vez mais, minhas andanças pelas ruas da cidade deixaram-me indignado. E esse sentimento  se manifesta, normalmente, quando algo que se dá valor é aviltado de alguma forma e não se pode continuar assistindo passivamente à agressão. Nesse rol encontram-se a liberdade de expressão, o direito de ir e vir, a proteção à vida, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e arquitetônico de uma cidade.





Em situações que tais, a  condição de cidadão impõe-nos não só atenta vigilância, mas também nossa reação tempestiva, nem que seja para rotular-nos de tolos, saudosistas, utópicos, sonhadores e retrógados.





O que me tira do sério, agora - e disse isso sábado retrasado, quando era entrevistado no programa radiofônico “Márcia Vieira em Revista” -, é a intervenção feita na fachada do Cine Fátima, que a desfigurou totalmente, da noite para o dia.





E a minha indignação foi maior porque talvez tenha contribuído para isso. Explico: faz poucos meses escrevi uma crônica lembrando-me, com saudade, das matinês no Cine Fátima, nas mornas tardes de domingo. Ao final, registrei que, embora não mais funcionasse como casa de projeções cinematográficas, e sim como casa de bingo, contentava-me em contemplar a bela construção, com sua  fachada em “arte dèco” ainda preservada, que nos remetia a uma gostosa revisita ao passado.


Mas a fachada,a partir de então, durou muito pouco. E, por isso, sinto-me um pouco culpado por ter chamado a atenção para ela.

Coincidentemente,na mesma semana do início das obras que transformaram o prédio do Cine Fátima em mais um grande caixote, sem qualquer valor arquitetônico, eu lançava um novo livro (Noturno para o sertão), e reproduzia a crônica onde manifestava a minha admiração em relação àquela  edificação portentosa do final dos anos 50, legado do arrojo e do empreendedorismo do sr. Euler de Araújo Lafetá.





Assim, pela inoperância dos órgãos ditos competentes - ou com a sua complacência ao autorizar a obra de reforma -, lamentavelmente mais um prédio é desfigurado, talvez para ficar a salvo de um provável e  justo tombamento.





Ao que parece, querem construir uma cidade nova - mas muito mais feia - no mesmo local onde  outra já existe. E isso, além das dificuldades fáticas, soa como ausência de planejamento e falta de rumos, pois ainda temos grandes vazios urbanos e espaço de sobra no entorno da nossa frankstênica cidade, que poderiam ser utilizados para descentralizar o comércio.


A velha Montes Claros - como a Itabira do poeta Drummond -, está se transformando, tristemente, em um retrato na parede... E como dói!

Causa-me perplexidade, finalmente, verificar a falta de compromisso e de responsabilidade social de certas empresas que aqui aportam já desrespeitando as sagradas tradições e o patrimônio histórico locais. Isso, ao arrepio das modernas regras de governança corporativa, que sinalizam para a busca de uma convivência interativa e harmoniosa com a comunidade anfitriã.





Com  ações deletérias dessa natureza, essas empresas forasteiras, ao contrário do lucro que esperam, podem, em prazo não muito longo, colher frutos não muito benfazejos, porque o povo normalmente reage quando é atingido por tais golpes e compram na concorrência.





Como diria nosso saudoso amigo Lazinho Pimenta, “quem viver, verá”.  Por isso, lembro mais uma vez: montes-clarense, olhai bem os Montes Claros!

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