João Caetano Canela
Médico e escritor
No começo, por ver perigo de promiscuidade entre política e esporte, confesso que fiquei frontalmente contra esse negócio de a prefeitura local se envolver com voleibol. Mas agora, depois que a equipe Bonsucesso/Montes Claros mobilizou a cidade e sacudiu com inimaginável vibração o ginásio Tancredo Neves, virando o placar de um jogo quase perdido e batendo espetacularmente o Sada/Cruzeiro, repensei a minha posição.
Por que negar essa “válvula de escape” ao nosso sofrido povo, que, carente de um entretenimento que torne suportável o seu stress urbano, costuma afogar suas mágoas nas mesas dos botecos? Ora, a freqüentar mesa de boteco – onde são cultivados hábitos feios e reprováveis como beber e falar mal da vida alheia –, mais saudável ao povo é freqüentar o Poliesportivo e torcer por nosso voleibol.
Se a nossa cidade contasse com alternativa de recreação, se fosse, por exemplo, banhada pelo mar (ah, o lazer que o mar proporciona!), ou quando nada por um rio em cujas águas insuspeitas a população, além de refrescar o corpo, pudesse também refrescar a cabeça, encontrando, assim, distração e evasão, até que se poderia achar inconveniente a prefeitura se meter com voleibol. Mas como não temos nem mar nem rio, e como a nossa cidade é calorenta e poeirenta, por que então não compreender a sensibilidade do prefeito, que proporciona ao montes-clarense “lavar a alma” ao menos no voleibol?
A população de Montes Claros deu um mandato ao prefeito e este, bom político que é, deu o voleibol de presente a população. Dizendo assim, sem ênfase, até parece que faço pouco do presente ofertado pelo prefeito. Não faço. Vi a importância do vôlei para o nosso povo, na memorável vitória sobre o Cruzeiro. E a conclusão a que chego, caso me seja permitido concluir alguma coisa, é a seguinte: acima de todas as mazelas que afligem a nossa cidade, acima de todas as nossas demandas, acima de todos os mais graves e fundos problemas nossos, acima inclusive do nosso problema mais urgente e premente - o trânsito caótico que beira o colapso –, pois acima de tudo, está o nosso vôlei.
Ah, o vôlei! Mas a paixão desta cidade não é o esporte bretão? Até outro dia ainda era. Presentemente não mais. Agora, o que fala alto ao nosso povo é o voleibol – não o futebol. Ah, o nosso empolgante vôlei, que já nasceu grandioso e glorioso no cenário nacional. Karl Marx um dia no passado aludiu à religião como “ópio do povo”. É que o velho Marx não imaginava o que voleibol viria a significar para o povo de Montes Claros, no século XXI...
A nossa cidade, sem projeto urbanístico que a atenda, já se faz irreconhecível, tal o inchaço que a desfigura. Mas e daí? De uma maneira ou de outra, encontrar-se-á um jeito para nisso, no futuro. Não, não importa que não tenhamos obras na cidade. O que importa é o voleibol que temos e que nos basta. Sim, a julgar o delírio a que se entregou o ginásio Tancredo Neves e a festa que tomou as nossas ruas, após a última vitória, o vôlei nos basta.
Nem quando conquistamos a copa do mundo, a cidade se mobilizou assim. Vi torcedores uivando de alegria pelas ruas, docemente alienados, a ponto de um sujeito que eu nunca vira mais gordo e que tinha ar sublimado interceptar-me durante a comemoração e estreitar-me contra o peito num abraço irmão, sem que eu, perplexo, achasse meios e força para repeli-lo. Que raio de abraço era aquele? Não demorei a compreender: o voleibol fora capaz de pacificar a nossa gente.
Agora, há um clima na cidade que irmana todos numa corrente para frente – todos torcem por nosso voleibol. Quer dizer, nem todos, que os opositores do prefeito torcem contra. Por que torcer contra? A oposição justifica que o nosso voleibol é “circo” e que o povo está sendo tapeado. Justificativa que me parece coisa de uma oposição que, atônita com o “bom sucesso” do adversário político, não sabe o que fazer senão lançar farpas.
Ah, o voleibol, esse plástico, emocionante e arrebatador esporte! Ah, o voleibol, esse fascinante esporte que o povo de Montes Claros adorou e adotou!
Voleibol para os eleitores, ou melhor, para os torcedores, senhor prefeito.
Voleibol neles!