O sumiço de Super - por Antônio Augusto Souto

Jornal O Norte
29/01/2007 às 11:44.
Atualizado em 15/11/2021 às 07:56

Antônio Augusto Souto *

Super anda sumido. Faz quase duas semanas que ele não aparece lá em casa. Por outro lado, não tenho podido visitá-lo, em razão de compromissos profissionais. A última vez em que o vi foi logo depois de voltarmos da nossa viagem mais recente. Foi em festa da família. Quando ele me viu, chegando, fez o que costuma fazer, ao encontrar-me: correu para mim, jogou-se nos meus braços e, com as pernas, enlaçou-me a cintura. Acho que essa seja a maneira que ele achou, para demonstrar sua alegria de rever-me e declarar que me ama.

O sumiço de Super me preocupou. Pus-me a procurar o possível motivo dele; alguma coisa que eu, sem querer ou saber, acaso tenha feito ou falado. Depois de longo exame de consciência, ocorreu-me que, na viagem, uma das primas o chamou de Dorival, na minha presença. Não tenho certeza, leitora, mas acho que esse Dorival seja personagem idiota de uma dessas novelas de televisão. Super não gostou do apelido e virou onça.

Naquela festa do último encontro, querendo fazer brincadeira, chamei Super de Dori. Ele demonstrou alguma surpresa, ameaçou sorriso e articulou um VÔ!... exclamativo e reticente. Teria sido isso o motivo do afastamento?

Tomei a decisão de telefonar para a mãe. Falei amenidades, quis saber da saúde dela, do marido e dos filhos. Perguntei por Super.

Fiquei sabendo que ele descobrira como navegar na rede de computadores e, ainda por cima, ganhara um desses games eletrônicos. Mal acordava, já tinha o aparelhinho na mão. Brincava horas e horas. Quando se cansava, ia para o computador. Navegava também por horas e horas. Depois, retornava ao joguinho.

Entendi que aí estava, finalmente, aceitável explicação para o sumiço de Super, nesta época de férias escolares e  festas. Tudo bem. Acho até que ele merece o direito de fazer o que bem quiser. Seu desempenho escolar, no ano que acaba de encerrar-se, foi muito bom. É certo que andou aprontando algumas, inclusive estapeando, vezes sem conta, o irmão, que é mais novo e, também é certo,  fez por merecer os corretivos. Aquele negócio de irmão que nasce dois ou três anos depois e faz o possível e o impossível para assenhorear-se do espaço que já estava ocupado.

Quanto aos joguinhos eletrônicos e às navegações na rede, reconheço que tenham alguma coisa de positivo. No entanto, vejo-os com certa reserva, em caso de excesso. Há outras formas de lazer, talvez mais úteis, como correr atrás de uma bola  e, até, ler um bom livro, por exemplo. A literatura infantil ou infanto-juvenil tem opções de ótima qualidade.

Fiquei sabendo que Super foi matriculado numa dessas escolinhas de futebol. Não estive presente a nenhum dos seus treinos, mas o pai me revelou que ele não demonstrou qualquer interesse em fazer-se amigo da bola. Imaginei as cenas: Super uniformizado de azul, meiões brancos e chuteiras novas, paradão no meio do campo. Quando a bola, por acaso, chegava perto dele, dava-lhe um bico, sem se incomodar com a direção. Resta-me uma esperança. E não é a de que Super venha a gostar de jogar bola e virar craque. É a de que ele possa vir a ter um estalo  de bom gosto e deletar o azul de sua vida. Dia desses, ele me disse estar indeciso. Já é um bom começo.

O Brasil  todo mundo sabe  é uma fantástica fábrica de craques de futebol. Só que  essa fábrica está localizada  nas periferias, onde sobrevivem as classes sociais menos aquinhoadas. Ali, os meninos não têm game ou computador, uniforme azul ou de qualquer cor, bola oficial e chuteiras. Eles correm, descalços, atrás de bola de meia, de bexiga inflada ou do que restou de alguma antiga bola de capota.

Ah, ia me esquecendo: Super telefonou, para dizer que passará o próximo fim de semana lá em casa. Valeu, Super!

* cronista do suplemento Opinião,


publicado aos fins-de-semana na edição de O Norte

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