O sufoco

Jornal O Norte
17/07/2009 às 11:29.
Atualizado em 15/11/2021 às 07:04

Felippe Prates

Dia 01 de abril de 1966: Inauguração do Porto de Tubarão da Companhia Vale do Rio Doce, em Vitória-ES, monumental obra de engenharia pronta rigorosamente no prazo previsto.  Sob a presidência do engenheiro Oscar de Oliveira, a Vale iniciava, com o porto  –  genial idéia do pai da nossa empresa, Eliezer Batista  –   nova fase da sua existência.  Com a capacidade de receber navios de até 120 mil toneladas  –  um espanto, à época  –  consolidou-se o prestígio da mineradora brasileira como fonte produtora confiável de minério de ferro, deixando-a em situação ímpar no mercado internacional.  A conseqüência imediata da inauguração do novo porto foi a duplicação da exportação de minério para o Japão, não obstante a fraqueza do mercado naquele ano.

Realmente, tínhamos o que comemorar!

Nesse tempo, trabalhávamos na Presidência, onde foi criada a COIPT – Comissão Inauguradora do Porto de Tubarão, sob nossa chefia, composta por quatro companheiros, a quem foram confiadas todas as providências pertinentes ao magno acontecimento.

Confirmada a presença do Presidente da República, Marechal Castelo Branco e de seus principais ministros, mais de quinhentas pessoas, do Brasil e do mundo inteiro compareceram a Tubarão para assistirem à inauguração.  Alugamos três aviões de diversas empresas só para transportar os convidados do Rio e de São Paulo!  Tudo foi organizado com muito esmero, caprichando-se nos mínimos detalhes. Em 1966,  a cidade de Vitória ainda não tinha condições de realizar um almoço desse porte. Contratamos, então, uma afamada churrascaria do Rio de Janeiro, que transportou para a capital capixaba além das carnes e demais comestíveis num caminhão frigorífico, as bebidas, mesas, cadeiras, toldos de lona, faqueiros, louças, toalhas, guardanapos, todo o material necessário, enfim.  Dois ônibus especiais lotados, levaram os garçons.

A imprensa nacional e estrangeira dedicou largos espaços à divulgação desse importante acontecimento e não se falava em outra coisa.

A inauguração de Tubarão seguida do almoço, foi marcada para o meio-dia. A    natureza colaborou para o sucesso da festa ao ar livre, pois amanheceu um lindo dia de sol, com céu de brigadeiro e uma leve e agradável brisa soprando do mar.

Mas, eis que surge o imprevisto!

A caminho do aeroporto para receber o Presidente da República e sua comitiva, chega ao Presidente da Vale uma terrível notícia: a lança do carregador de minério enguiçara!

A lança é a parte principal do “ship loader” (carregador de navio), que despeja nos porões dos enormes transatlânticos graneleiros atracados ao cais, o minério de ferro.  Dotada de um movimento paralelo ao navio, desloca-se sobre esses porões, do primeiro ao último, realizando o embarque.

E agora?  Impossibilitado o carregamento do navio, a inauguração do porto estava mortalmente prejudicada!

Meu Deus, mas que sufoco!

Foi, então, que tivemos uma idéia salvadora que o Dr. Oscar aceitou.  Para dar tempo de consertar o enguiço da lança, antes de trazer o presidente Castelo Branco até o porto, era preciso levá-lo à Casa de Hóspedes para um breve e oportuno descanso, quando seria servido um simpático café com biscoitos.  Afinal, receber bem faz parte da hospitalidade pátria e é  próprio dos bons anfitriões...

Dr. Oscar perguntou-nos:

- E como vou saber que o conserto foi feito e que a lança voltou a funcionar?

- Muito simples, Presidente.  Fica combinado que soltaremos um foguete de três tiros quando estiver tudo OK e o senhor trás o Presidente para inaugurar o porto.

E assim foi feito.  Contrariando a bronca da Segurança e do Cerimonial, que não tiveram tempo de impedir a aceitação do convite, surpreendentemente alterou-se a programação da presidencial visita e, na Casa de Hóspedes, foi servido aos ilustres convidados um descontraído lanche, com direito a alguns minutos de repouso.  Deu certo e houve até elogios.

Eis que espoucam três tiros no ar!  Junto ao foguete explodia de alegria e de alívio o nosso coração, embora apertadinho, pondo fim à angústia e ao temor de um memorável fiasco!

Consertada a lança, na paz de Deus inaugurou-se oficialmente o Porto de Tubarão, o Presidente Castelo Branco, demais autoridades e os convidados assistiram ao carregamento de um navio, almoçaram um excelente e bem servido churrasco regado a muita cerveja, sob elegante lona, num amplo, agradável e belo espaço com plantas e vista para o mar, numa grande, alegre e inesquecível festa, lembrada até hoje.

E o sufoco? 

Esse, diante do sucesso da inauguração do porto, tornou-se, apenas, uma divertida passagem da história da Vale.  A bem da verdade, hoje, passados mais de quarenta anos, quase ninguém se lembra dele...

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