O Rio de Janeiro é o crime

Jornal O Norte
Publicado em 18/02/2011 às 09:10.Atualizado em 15/11/2021 às 17:22.

 Helder Caldeira (*)


 


O Rio de Janeiro está vivendo dias de fantasia e não é por conta do carnaval. Trata-se de uma crise administrativa que está recebendo maquiagem especial antes de aparecer na grande imprensa. Na disputa pelos domínios de áreas que rendem nababescas quantias de dinheiro ilícito, instaurou-se uma guerra no crime organizado. À expressão crime organizado leia-se: Estado, polícias, milícias, políticos e bandidos. Há muitas décadas, o Rio de Janeiro deixou de combater criminosos. Tornou-se o próprio crime. Nauseabundo. Pútrido. Legitimado.



Algumas fantasias são facilmente observáveis. A principal delas diz respeito às tais invasões para pseudopacificação. Batalhões de polícia são destacados para invadir favelas para a tal retomada de território, mas as operações são fartamente anunciadas nos dias anteriores, permitindo que todos os bandidos, traficantes, milicianos e demais possam rapar fora, picar a mula. O próprio governador já afirmou que o objetivo das operações não é prender criminosos e sim retomar áreas. Ou seja, é tão somente um espetáculo teatral para estampar as mídias do dia seguinte. E não duvide: a imprensa está muito bem paga para cobrir essas operações carnavalescas.



Ainda no quesito máscaras, a onda do momento é a crise institucional nas polícias do Rio de Janeiro. Num dia, a polícia federal, com o apoio do governo do estado e da secretaria estadual de Segurança, faz uma devassa e prende uma turma: de subsecretários e delegados a policiais de rua que faziam tratos com o crime organizado. No outro dia, a organização, em represália, faz uma operação contra os próprios equipamentos do estado, fechando a delegacia de repressão ao crime organizado sob a alegação de denúncias de favorecimento a políticos corruptos acusados de fraudar licitações em prefeituras fluminenses e até mesmo no governo do estado. É o toma-lá-dá-cá.



Quem mora no Rio de Janeiro está acostumado à bandidagem, estatal ou não. É triste dizer isso, mas é a verdade. Em qualquer bairro da cidade, seja ele rico ou pobre, convivem tranquilamente delegacias de polícia, bancas de jogo do bicho, pontos de venda de drogas, palácios de governo e até cassinos clandestinos. Um ótimo e pertinente exemplo é o carnaval carioca, o maior espetáculo da terra, que é quase na totalidade financiado por dinheiro da contravenção. É a verdade. E no fim das contas, já é hábito: se você está em alguma rua do Rio de Janeiro e em sua direção vem um policial e uma pessoa suspeita – dentro de todos os maniqueísmos do politicamente incorreto – não tenha dúvidas: abrace o suspeito. Ainda é mais seguro.



Muito além de tudo isso, você, morando ou não em terras fluminenses, deve estar se perguntando: por que os colunistas, os jornais, as revistas, as rádios e os telejornais não conseguem observar o óbvio e falar sobre o assunto como de fato ele é? Por medo. Você já imaginou ter os holofotes dos aparatos de inteligência do estado, das polícias e dos bandidos – uma difícil distinção – voltados para a sua cabeça, para sua vida e para sua privacidade? Pois é. Como é difícil encontrar hoje alguém ou alguma empresa que não tenha um mínimo de rabo preso, convencionou-se que a melhor saída é usar a tática do ex-presidente Lula: eu não vi nada, eu não sei de nada.



Esse tipo de relação promíscua e falseada entre a realidade, as autoridades e a notícia ganhou contornos de um câncer generalizado no Rio de Janeiro. Talvez a grande imagem que reste como testemunha desses tempos autoritários disfarçados de democracia policialesca será aquela centena de bandidos correndo morro acima, em fuga, durante uma ultraplanejada operação de invasão da favela da Vila Cruzeiro. Ou seja, não foi tão planejada assim. Mas o objetivo principal foi atingido: todos os jornais e revistas estamparam o Rio de Janeiro contra crime no dia seguinte. E a verdade? Dane-se a verdade! E os fatos? Danem-se os fatos! E o povo? Dane-se o povo! Mas não deixemos de votar, afinal é só pra isso que servimos.



(*) Escritor, colunista político, palestrante e conferencista


heldercaldeira@estadao.com.br


 

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