O quinto poder - por Clídio de Moura Lima

Jornal O Norte
Publicado em 11/10/2007 às 11:34.Atualizado em 15/11/2021 às 08:19.

Clídio de Moura Lima *



Diante do espelho, olhando-me para mim mesmo, evidentemente, vi a caixa torácica, em movimentos rítmicos e às vezes arrítmicos. Sem outros sintomas somáticos, eu não desejei pensar no assunto. É que eu estava me preparando para a jornada de trabalho quotidiana. E tinha muitos afazeres para o dia. Labor gratificante, extenuante e por que não? enervante! Ser advogado é muita responsabilidade, é ter alegrias e dissabores diariamente... Eu gosto de sê-lo. Faça de minha profissão o meu sacerdócio. E o Quinto Poder?



Preparei-me cuidadosamente para começar a trabalhar, barba, banho, café da manhã, gravata, terno... As intimidades não vêm ao caso. Todo arrumado, fui para meu escritório de advocacia trabalhar. E o coração, dando uns “trancos”.



Os Três Poderes da República são o Executivo, o Legislativo e o Judiciário, constitucionalmente constituídos. O Quarto Poder é criação extra Constitucional. É poder de fato que se atribui à Imprensa falada, escrita e televisada. Tal é o reconhecimento do seu poder de persuasão (no bom sentido) de levar o conhecimento da notícia a todos os cantos do país e do mundo. A Imprensa, realmente, tem um poder enorme na divulgação da notícia; e pode e quase sempre influencia opiniões, muda e cria ou recria opiniões (próxima encarnação serei jornalista).



Todos os Poderes, de certa forma, são vulneráveis porque podem ser “calados”. O Quarto  pode ser censurado ou amordaçado. Pode-se fazer uma exceção para o Executivo. E já o foram por diversas vezes. Reflita! O Poder Executivo apenas sente um grande abalo na exclusão do seu Chefe. É a Revolução, gente! O Presidente caiu. O Congresso foi fechado – calaram o Poder Legislativo. O Poder Judiciário fica limitado e restringido; e adstrito, cumprindo os decretos do Regime de Exceção. Quem manda é a força! Desobedeceu? Tá preso! E este filme de longa metragem já passou; começou em 1964 e terminou há poucos anos atrás. Daí para trás não vivi, li a história... O tema que intitula a crônica é outro. Paciência, adentrarei ao tema central agora. Apenas esclareço que o Poder Judiciário não é emudecido, continua suas atividades dirimindo as controvérsias que não alcancem e que sequer possam arranhar os interesses do Regime de Exceção.



O Quinto Poder é a voz do coração! A voz muda que fala apenas egoísta monólogo com seu próprio titular. O dono do coração ouve a voz do coração, sente e entende sua fala. Mas não tem uma linguagem correspondente para lhe retrucar; não tem vernáculo, nem língua estrangeira alguma que possa utilizar para dialogar com a voz do coração. Ingênua e inocentemente, o proprietário do coração usa ou utiliza a voz da razão para dialogar com a voz do coração. Perda de tempo. Este expediente nunca deu certo. A voz do coração não admite contestação e nem contrariedade alguma. É uma voz autoritária, mandona, egoísta. A voz do coração é semelhante a qualquer regime totalitário ou de exceção, somente é ela quem manda.



É assim que hoje senti meu coração, hoje pela manhã, diante do espelho, arrumando-me para meu trabalho de advogado; labor cotidiano, mas sempre cheio de emoções renascendo e nascendo como se fosse a primeira vez, o primeiro cliente para atender, a primeira audiência judicial... Ah! Coração impiedoso. Eu não me levantei da cama pensando em recordações amorosas ou paixões antigas. Nada! Apenas eu levantei cedo, como de costume faço, preparando-me para a advocacia. O coração assim não pensou, resolveu recrudescer, e ditou suas impiedosas ordens fazendo-me lembrar que ele, o coração, (que já não é mais um órgão insubstituível porque pode ser substituído por outro, embora imprescindível) é totalitário e subjuga todas as vozes, não admitindo contestação. Chego, portanto, à conclusão de que a razão não tem razão alguma diante da mais branda paixão ou do amor esquecido ou do amor que nasce. É bom espraiar este sentimento pelo amor que temos a muitas cousas outras: Pelo amor da profissão e tantos outros amores sublimes; pelo amor que de tudo irradia... Verdade acho que o coração pensou nela. Quem é ela? Segredo! Este é o grande poder do enigma da vida, o coração bem o sabe. Vivo hoje sob uma manhã  de um regime de exceção, sob um regime totalitário, cujo ditador é o Quinto Poder.  Assim, a voz do coração é o quinto poder constituído de fato e inquestionável.   



* Advogado, escritor e professor universitário


clidiodemoura@bol.com.br

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