O quilômetro da vergonha, por Carlos Lindenberg

Jornal O Norte
13/01/2007 às 13:04.
Atualizado em 15/11/2021 às 07:55

O vice-presidente José Alencar está atento à situação das chuvas em Minas, particularmente à deterioração das estradas. O chefe de Gabinete do vice-presidente, Adriano Silva, informa que José Alencar leu a coluna de sábado, como faz habitualmente, e se sentiu impulsionado a conversar com o presidente Lula, que saía de férias naqueles dias, com a ministra Dilma Rousseff e com o ministro dos Transportes, Paulo Sérgio de Oliveira Passos, buscando empenhar recursos para o socorro imediato às péssimas condições de tráfego nas estradas federais mineiras, principalmente a BR-135, que vai de Belo Horizonte ao Oeste baiano, passando por Montes Claros, no Norte do Estado.





A coluna dizia que o vice-presidente, homem público devotado às causas nacionais, poderia ‘aproveitar‘ as férias do presidente Lula e, como segundo homem na hierarquia política do país, determinar aos ministros que acudissem Minas da forma mais rápida e eficaz possível, porque os mineiros estavam pagando um preço alto demais pelo descaso do Governo federal, haja vista que as estradas em piores condições, como a 135, são as de responsabilidade da União. E até recomendava ao vice que não ficasse incomodado se alguém o chamasse de bairrista por cuidar com maior zelo das coisas de Minas, afinal, ele havia percorrido o Estado por duas vezes, pedindo os votos dos mineiros para ele e para o presidente Lula.





De forma que há razões de sobra para que se possa esperar, do Governo federal, a atenção que as estradas de sua responsabilidade estão a exigir do Dnit. Sabe-se que a burocracia no Serviço Público é bem maior do que a eficiência, de forma que a sensibilidade do vice-presidente da República é meio caminho andado, mas não é tudo. Essas providências costumam ficar agarradas no cipoal da burocracia e só saem a golpes de facão. De forma que o vice-presidente, que sabe das coisas, já deve estar atento a esse tipo de enrolação.





Se o vice ficou sensibilizado ao ser lembrado de suas relações com Minas, o presidente Lula certamente ficaria pasmo se visse o que se costuma assistir ao longo da BR-135, sobretudo nas proximidades do trevo de Curvelo, onde a estrada se bifurca para levar ao Norte de Minas e ao Distrito Federal. Do ponto de vista físico, a estrada é uma coleção infernal de buracos. Esses buracos, em boa medida, foram tapados durante a campanha eleitoral, em que se usou uma lama asfáltica de efeito rápido, mas que também desaparece com dois dias de chuva. Na época, criticou-se muito o Governo federal pela operação tapa-buraco, dizendo-se que se jogava dinheiro fora. De fato, mas se não houvesse o tapa-buraco, a estrada simplesmente desapareceria, tragada pelas crateras.





Como se esperava, os buracos voltaram com as chuvas do final do ano.





Mas trouxeram com eles um quadro desolador e, certamente, capaz de deixar o presidente Lula, sempre preocupado com os pobres, de cabelos em pé. Claro, porque os que passam por ali ficam a um só tempo revoltados com o descaso da União, mas também penalizados com o que vêem: são dezenas de pessoas, entre elas mulheres, crianças, velhos, moças e rapazes, todos de pás e enxadas nas mãos, a tapar os buracos com terra recolhida na beira do asfalto.





Esses voluntários, recrutados pela necessidade da sobrevivência, entre eles crianças, não só correm sério risco de acidentes e se submetem ao sol escaldante do Centro-Norte-mineiro, como se expõem despidos da mais elementar vestimenta da cidadania: ficam à beira da estrada de mãos estendidas a pedir esmolas dos que passam como pagamento para um serviço que, na verdade, é de responsabilidade do Governo federal. Ou seja, o Governo não somente se omite do dever de conservar a estrada, como produz esses legítimos beneficiários do Bolsa-Estrada. Lula, que criou em boa hora o Bolsa Família, certamente se indignaria mais ao passar pela BR-135 e assistir a cenas tão degradantes à altura do que se convencionou chamar de quilômetro da vergonha - logo ali, a pouco mais de 100 quilômetros de Belo Horizonte.





Extraído do Hoje em Dia – Edição 11.01.2007


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