O que fizeram aos ídolos de minha infância? (Em memória de Michael Jackson)

Jornal O Norte
29/06/2009 às 10:38.
Atualizado em 15/11/2021 às 07:02

Márcia Vieira

Michael, o que fizeram a você? Onde foi que você se perdeu? Quando foi que começou a saga de se transformar em homem branco? Eu era pequena, me lembro bem, e você deslizava com os seus sapatos peculiares e meias brancas. Tinha traços próprios à sua raça, era um homem que dançava com raça. Tão lindo em uma roupa espalhafatosa, que nem de longe fazia sombra ao seu brilho. Brilho de astro que refletia nos outros Jacksons. Todos eles viajavam com você, tomavam parte de um espetáculo cuja figura central era um doce menino correndo atrás da felicidade, com pés que ainda na infância desafiavam a gravidade.Você parecia voar, Michael. Quando foi que roubaram a sua inocência e te fizeram acreditar que para ser querido deveria se dobrar às curvas da vaidade? Onde está escrito que a beleza tem cor e traços finos?

Muitos anos depois, em um shopping de Belo Horizonte, parei na frente de uma loja que ocupava as telas com o seu vídeo de músico bailarino dos anos 80. Eu ainda me encantava com a sua dança perfeita, com o seu modo de se entregar à melodia, com passos leves, flutuantes e decisivos. Você, Michael, era rosto e corpo de baile de uma geração, e as que se sucederam, não ousam dizer que não sabem que é você. Todos o imitavam, na dança, na voz, no figurino. Ainda ontem ouvi “We Are The World”, uma canção simples, que nasceu da boa vontade de músicos, conclamados por você, que queriam salvar o mundo, e lá, a sua voz sobressaía entre as demais.

Mas alguém o feriu na tenra infância, é o que dizem. E essa infância roubada, mais tarde foi descontada em outros, tão inocentes quanto o menino que desafiava a gravidade. Escândalos sucessivos, acusações, tiranias, partiram daqueles mesmos que o colocaram no topo. A mídia é isso, Michael. Retrata o seu momento, não importando se é de dor ou de plenitude. Você se prendeu a ela de tal forma, que não mais podia se locomover como simples mortal. Seus passos, não apenas aqueles que desenhou na história musical do mundo, acompanhado de hits sensacionais como Billie Jean, Thriller e Beat It, eram seguidos em todo o planeta, todo o tempo.Te sufocaram, Michael, e você se rendeu ao mundo da fantasia, tão explícito na construção do Rancho de Neverland ou Terra do Nunca, como o chamavam. Zoológico e parque de diversões, devolviam a infância roubada ao menino que sabia voar.

Oh, Michael, a sua inocência, tanto quanto a culpa, não foram provadas, e você, mais ainda se perdeu. Não sabemos se alguém quis se aproveitar do seu terrível sucesso e tudo que essa palavra representa, ou se realmente você foi capaz de ferir alguém. Prefiro acreditar que você ainda é um menino. Em todas as cenas que o vi, os seus olhos apareciam miudinhos, como de quem muito chora. Mas naquela cena em que você dança no Brasil, com o Olodum, no alto de uma favela, a câmera alcança a sua performance e é nela que vejo os seus olhos mais verdadeiros, ainda que de perfil. Os seus olhos naquele instante eram maiores do que os seus passos e gritavam mais do que a sua voz.

É essa cena que vou guardar de você, Michael. Mesmo que em todas as outras, os seus pés alados apareçam em destaque, dos seus olhos irei me lembrar, ídolo da minha hoje distante infância. Exatamente hoje, quando recordo meu nascimento, você escolheu ir embora. Talvez para que nunca me esquecesse de você. Nem precisava, Michael. Jamais me esqueceria das alegrias que você me deu, com pés de bailarino e olhos de criança triste. A Farrah Fawcett, que ironicamente também é personagem de minha infância, pantera que toda criança queria ser, escolheu esse mesmo dia para partir. Liz (Taylor), a “Gata em Teto de Zinco Quente” de olhos cor de violeta por quem Burton, duas vezes sucumbiu, sua amiga mais fiel e amorosa, está triste, como todo o mundo que chora a sua partida. Logo mais, quando brindar com amigos, em noite de lua aberta e esplendorosa, recordarei os teus olhos e a eles brindarei. Com aqueles olhos tristes, você deve ter construído “Heal the World”(Cure o Mundo), sua mais linda canção. Canção de quem queria


um mundo melhor.

Até breve, Michael!

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