Neumar Rodrigues *
Os dicionários de Ciências Sociais costumam definir o termo democracia como “um sistema de organização social e estatal que se fundamenta na vontade popular livre, livremente manifestada e deliberada cuja ação tende ao bem comum e ao individual, dentro do âmbito que abrange a liberdade coletiva e individual”. Quando vista sob o ângulo de uma organização política, é “um sistema no qual os cidadãos, independentemente de castas e classes, exercem a autoridade, quer por si mesmos (democracia plebiscitária), quer por intermédio de delegados ou representantes do povo (democracia eletiva)”. No Brasil, como sabemos, temos a democracia eletiva em que periodicamente o povo é chamado a se pronunciar elegendo seus representantes. Assim democracia não consegue caminhar sem suas duas pernas, ou seja, o povo e seus representantes (os políticos).
Quando olhamos para o sistema político brasileiro, ainda que se insista em caracterizá-lo como um sistema democrático, fácil perceber que a instituição democracia foi desfigurada de tal forma que perdeu suas características essenciais.
O povo elege seus representantes sim em todos os níveis - municipal, estadual e federal. Parece que a função do povo termina aí, ainda que devesse fiscalizar seus representantes para que realmente defendessem os interesses dos seus eleitores. O problema é que os candidatos a representantes do povo, juntamente com os que já foram eleitos e estão em fim de mandato, se aliam à classe economicamente dominante e produzem uma inversão de forças, pois, para se elegerem ou reelegerem, assumem compromissos com os financiadores das campanhas e não com os eleitores. Uma vez empossados, lutam pelos interesses dos seus financiadores e exercem a função com tal desenvoltura e independência, como se não tivessem a obrigação de defender os interesses de quem os elegeu - o povo, nem de dar satisfação pelos atos praticados.
Políticos profissionais, sempre aliados ao poder econômico, se apossaram de todo o processo eleitoral, onde na teoria o poder emana do povo, mas na prática o povo serve apenas para legitimar os privilégios autoconcedidos nos escalões superiores. Os três poderes da República, ainda que muitas vezes busquem passar uma idéia de independência e lisura, apenas tentam confundir os eleitores, aproveitando-se da ingenuidade da maioria deles para perpetuar seus privilégios. Como diz Fabio Konder Comparato, há mais de um século temos uma República de interesses privados e uma democracia sem povo. Até quando nossos políticos vão governar com uma mistura de blablablá e muita propaganda para o consumo popular, enquanto nos bastidores e nos gabinetes fecham-se acordos privilegiando os poderosos às custas do dinheiro da viúva? As reformas tão necessárias para que os representantes do povo realmente os representem são proteladas à exaustão e qualquer alteração que beneficie os eleitores somente acontece com muita pressão popular.
Mesmo assim são reformas de fachada, para que tudo fique exatamente como está. As leis, assim como as regras eleitorais, são feitas sob medida para favorecer os representantes do povo e não o inverso como deveria ser.
Essa inversão perversa de poder assumida por nossos políticos tem deixado o Brasil há mais de um quarto de século num verdadeiro marasmo econômico e os brasileiros, em sua grande maioria, em um estado de desagregação econômica e social. Quase a metade do que o País produz é recolhido em impostos que vão para os cofres dos poderosos e as migalhas voltam para a população, sempre embaladas por muita propaganda. O Brasil merece gente melhor para representá-lo.
* Jornalista