O perverso tributo da concorrência desleal

Jornal O Norte
28/08/2008 às 10:37.
Atualizado em 15/11/2021 às 07:42

Fábio Arruda Mortara


Presidente da Regional SP da Abigraf - Associação Brasileira de Indústria Gráfica


 


A Imprensa Oficial do Estado de São Paulo (Imesp) veiculou recentemente encarte publicitário na mídia, prestando contas de seu fabuloso lucro líquido (R$ 47,33 milhões) e de um fantástico faturamento bruto (R$ 226,17 milhões). Os números, referentes ao exercício de 2007, seriam meros indicadores de competente gestão, não fosse um insólito detalhe: esta empresa de economia mista do governo paulista, divergindo das funções precípuas para as quais foi criada, exerce concorrência desleal contra as gráficas privadas, atuando de modo indevido num mercado de vocação particular.

Do mesmo modo que os subsídios agrícolas dos países ricos comprometem a competitividade do agronegócio brasileiro e de outras nações emergentes, a retaguarda da Fazenda do Estado de São Paulo, o segundo maior orçamento nacional, perdendo apenas para a União, faz imensa diferença no caso da Imesp. Para investir em máquinas e equipamentos, por exemplo, não precisa pagar aos bancos os juros mais altos do mundo, praticados no Brasil, como fazem as empresas privadas do setor. Além disso, tem quase uma reserva de mercado no cliente estatal, mas, não satisfeita, avança no mercado privado, locupletando-se de suas vantagens competitivas.

O curioso é que, sob as bênçãos ou vistas grossas do Palácio dos Bandeirantes, a Imesp desvia-se de suas funções específicas, definidas, no próprio Portal do Governo de São Paulo, como as seguintes: “Produz o Diário Oficial, principal canal de comunicação entre a administração pública estadual e a sociedade. Dividido em nove cadernos, o jornal traz atos dos poderes Executivo, Legislativo, Judiciário e Ministério Público. A Imprensa Oficial edita coleções de leis e decretos, cartazes, folhetos, separatas, revistas e outras publicações de interesse público. A empresa atua como gráfica, imprimindo papéis e formulários do governo estadual, federal e de outros estados. Além disso, faz calendários e livros em co-edição com as editoras das universidades públicas”.

No entanto, a despeito desse inequívoco DNA, também consagrado no estatuto da companhia, aprovado por seu Conselho de Acionistas em 2006, o balanço que acaba de ser publicado indica parcela expressiva do faturamento advinda de clientes na rubrica “empresas privadas”. Trata-se, portanto, de um flagrante desvirtuamento de funções de um organismo estatal, ou para-estatal, em contradição com as melhores práticas da economia contemporânea. Em vez de atuar como gráfica de mercado, o governo paulista deveria cuidar melhor das escolas e da qualidade do ensino, que ainda são tão carentes, ou mesmo melhorar o atendimento na área da saúde e o combate a endemias como a dengue, um risco que não se justifica num Estado que se arroga padrões de primeiro mundo...

Além da questão econômico-mercadológica, a atuação do Estado na cadeia produtiva da comunicação é bastante questionável sob a ótica e a ética da democracia. Informação estatal, só no Diário Oficial — este sim justificável como publicação do Estado, na veiculação de informações de interesse público. Ressalve-se, ademais, o substancial preço cobrado pela IMESP nas inserções obrigatórias das empresas.  A livre manifestação do pensamento choca-se com a “seleção ideológica” de livros, revistas, fascículos e outros impressos produzidos nas máquinas financiadas com impostos pagos pelo contribuinte paulista.

Ao se imiscuir em mercado que não lhe compete, a Imesp prejudica toda a indústria gráfica paulista, hoje moderna, diversificada e atuante e que é composta por cerca de seis mil empresas, a maioria de pequeno porte, nas quais trabalham aproximadamente 81 mil pessoas. Este contingente significa 44% de toda a mão-de-obra empregada pelo setor no País. Há que se considerar, ainda, que a concorrência desigual exercida pela companhia de economia mista do Governo de São Paulo embute um sub-reptício tributo, talvez o mais perverso deles, o dos subsídios, pago, em última instância, pela sociedade.  

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