O pastor

Jornal O Norte
08/01/2009 às 11:04.
Atualizado em 15/11/2021 às 06:49

Ronaldo Duran *  

Formatura é sempre tensão. Procura-se fazer o melhor, mas sempre calha de um ou outro detalhe dar errado. O que importa é que foi ótimo. Um pai coruja. Como negar que meus filhos estavam lindos? Não cheguei a chorar. Mas o aperto no coração, a voz embaçada. E quando eles, meus pimpolhos, me abraçaram e agradeceram? Foi complicado segurar a emoção.

Na idade deles, eu estava saindo de casa para o seminário. Desde muito cedo tive a idéia de que minha vida sem a religião seria vazia. O sentimento eclesiástico me envolveu de maneira tal que estava ansioso para fazer os votos. O que me atraía na igreja era a atmosfera, as boas amizades com padres, freiras e colegas de missas. Dois anos passados no seminário. O mosteiro era fascinante: a paisagem, os hortas, a capela. As liturgias, o aprendizado do latim e grego, sem contar o reforço na língua portuguesa. A filosofia, teologia. Sim, tenho saudades. Seria um padre.

Mas algo ocorreu de inesperado. Já havia visto meninas, admirado-as, desejado-as. Contudo, sempre fora ilusão passageira. Se eu beijei uma, fora aos 14 anos. Nada mais.  Desde que me comprometi a ser padre, procurei adormecer os meus impulsos naturais. Quando tinha desejo de ver uma menina na rua, aí é que me agarrava mais aos livros, corria à sacristia para ajudar em algo útil.

A morena de olhos irresistíveis, quadris mais ainda, fisgou-me. E vi que não poderia ser padre. Adorava a igreja, cria muito na Palavra, mas a atração era mais forte. Se eu a reprimisse poderia ser pior, eu poderia virar um pervertido de batina, poderia enlouquecer. Tudo isso me passou pela cabeça. No confessionário, o padre meu amigo igualmente me orientou a optar. Fui atrás da morena. Namorei. Um ano depois de concluído o seminário eu fazia planos para o casamento.

Os gêmeos vieram. Satisfação. Muita batalha. Alugamos uma casa, e fomos para lá. Ela estudava contabilidade. Eu dava aula de filosofia.

Com o tempo uma revolta abateu sobre mim e um quê de Lutero forçou meu espírito a se rebelar. Que direito tinham de me impedir a professar a religião? Era casado? Ora, a própria bíblia não diz: crescei e multiplicai. Por que justamente o oráculo de Deus é impedido de seguir Seu próprio mandamento.

Abdiquei da religião católica, porque o que me interessa é estar perto de Deus e passar Sua palavra.

Quem mais apropriado do que um pai de família, que luta e sustenta os filhos, para passar a palavra sagrada, a palavra do Pai maior. Acredito que o pastor, casado, é pessoa mais indicada. Quanto aos santos? Bem. Santo é o homem que faz o bem em vida, seguindo a palavra de seu Pai, não uma imagem de cera ou cerâmica a que se atribui milagre.

Antes de ser protestante ou católico, sou cristão, e enquanto cristão o papel de pastor é importante para formar consciências sadias.


 


* Autor do livro É O Outono Que Chega. Contatos ronaldo@ronaldoduran.com

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