Márcio Adriano Moraes
Professor de Literatura e Português
marcioadrianomoraes@yahoo.com.br
Madrugada sabatina, destino: terra dos horizontes belos, pelo menos, no nome. Olhos sonolentos ao volante, guaraná em pó, Red Bull, Yakult, Tubaína, Conhaque Presidente, leite com Toddy. O casal previdente de malas prontas. O gordinho bancário chega agitado, eufórico. Fé em Deus e pé na tábua. Mas o gordinho esqueceu o portão aberto, volta e meia. São Cristóvão, vigiai.
Ouvidos centrados na última aula do CD: medida tutelar laiá, laiá, laiá, laiá, também suspende o crédito a pagar... Velocidade não tão máxima ultrapassando caminhões, carros de passeio, carros de trabalho e o trovão negro em disparada. O esposo previdente ronca fraco, mas quando acorda polemiza uma questão: "o certo é isso!"; aí vem o gordinho "não, moço o cara falou isso"... e o do volante quer participar: "tá no meio"... só se ouve a fala da bendita fruta entre os homens: "eu acho que a gente errou o caminho, estamos indo para Brasília!". Verdade, já se via o Planalto e os dólares inchando cuecas. Rali para voltar à estrada certa.
Chegando ao destino, as informações da hospedagem são passadas via celular. O esposo previdente ficava: "humhum, tá, viu, tá certo, ah pode deixar..."; "E então? Qual é o caminho?" "só sei que tem que passar debaixo de um trem verde". A metáfora do trem é, para mim, a melhor dos mineiros. O cabra está com a sua muié esperando o trem na estação: "muié, pega os trem aí que o bicho tá vindo!". Retorna a ligação para informações mais precisas, agora com o gordinho. Rua errada. Liga de novo. Avenida errada. Liga de novo. "Estamos parados na rua tal". Era outra rua. Vai o gordinho identificar entre os carros que passavam um careca. O gordinho é o cara, ou a careca é a que se destaca na cara. Chegamos, enfim.
O casal previdente já conhecia muito bem os anfitriões, mas o gordinho e eu fomos de intrusos. Muito bem recebidos, nos sentimos em casa. Na verdade, estivemos durante dois dias na casa do pai da namorada do irmão do esposo da nossa amiga. O melhor foi quando nos convidaram para um jantar do aniversário da filha da mãe do pai da namorada do irmão do esposo da nossa amiga. Sem nenhuma vergonha, o gordinho se esbanjou.
Na casa, havia uma cachorra que se latisse, era só jogar uma bolinha que lá ia toda feliz. O careca, dono casa, um sujeito curioso que só depois de anos de motorista soube o que é uma baliza. A dona da casa ama os genros: "já lavaram a pia!". E os genros amam pimenta, depois de uma boa quantidade de bebidas fermentadas, feitas de lúpulo de cevada e outros cereais. Uma das filhas era a cozinheira com muita experiência em abates de porquinhos. Polos opostos nascem, pois a outra filha era bem diferente, uma ovo-lácteo-vegetariana. Picanha e alface!
Domingo, dia de missa. E lá foram os hospedes até a igreja mais próxima, uns três quarteirões, dez minutos de caminhada. Finda a celebração, a volta: meia hora, quarenta minutos... "por favor, senhor, onde fica a rua..." "não sei, não conheço"; "acho que lá para cima". Perdidos. Para-se um carro, senhor: "ah, é o namorado da vegetaria!", "então, vai, entra aí". Sem comentários e s(c)em risadas.
Testados os conhecimentos, passeio no Shopping, sanduíche de trinta centímetros. Comentários: blá, blá, blá. O sono espera para a saída matutina. Pânico na TV. Acordados, Red Bull, mãos no volante e partida. Agora é só seguir em linha reta, como se veio se vai.
Olho nas sinalizações, atenção no trânsito, tudo tranquilo. A velocidade agora é máxima, horário de chegada. O motorista coloca 120km/h só duas vezes, o resto da viagem, 140km/h. "Opa, temos que passar por esta cidade, não é, gordinho?"; "isso, pode entrar aí". O esposo previdente acorda e para nossa humilhação: "moço, cês erraram o caminho!". Verdade, não passamos pelo trem verde...