Felippe Prates
De cada quatro crianças que nascem no Brasil, uma não tem o nome do pai na certidão de nascimento. O número está bem acima do verificado em países europeus, como a França, onde somente dois por cento de pessoas são obrigadas a carregar esse vácuo – e muitas vezes esse trauma – nos documentos de identificação. É o que mostram estimativas de especialistas e inspeções preliminares em cartórios de Registro Civil no Brasil, realizadas pelo Conselho Nacional de Justiça, órgão responsável por fiscalizar a atuação do Poder Judiciário.
Aos 8 anos, Dalva Goulart de Oliveira, hoje com 60, viu o pai pela primeira vez. Ele apareceu na porta de sua casa em Oswaldo Cruz, subúrbio do Rio de Janeiro. Disse que ia registrá-la, mas isso nunca aconteceu . “ Fiquei nuito feliz ao vê-lo e logo o chamei de pai. Tudo que eu queria era o seu amor”, conta Dalva que o encontrou de novo aos 14 anos e dele ouviu uma frase que não esquece: “Você acha mesmo que eu sou seu pai?” “Isso me magoou, pois ele sabia que era meu pai. Cresci esbarrando com ele na rua, mas sem seu nome na minha certidão e me sentindo envergonhada quando precisava tirar qualquer documento, preencher qualquer ficha. Parecia que eu era filha de qualquer uma.”
Há oito anos, ela tomou coragem e foi atrás de suas origens. Descobriu onde a família do seu pai morava e quis conhecê-la.
- Ele já tinha morrido. Mas eu queria descobrir como era, tirar uma foto ao seu lado para guardar comigo, diz ela, que até hoje só sabe o primeiro nome do pai – é Luiz. “Nunca tive coragem de perguntar o sobrenome, com medo que achassem que eu queria saber para ir à Justiça pedir dinheiro.”
Depois de lançar novos modelos de certidão de nascimento, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) está prestes a iniciar um programa nacional de busca por pais que não reconhecem seus filhos. A iniciativa é ambiciosa: orientar que os tribunais de Justiça do país investiguem o paradeiro dessas pessoas. Para isso, a busca será feita a partir do relato de mães e filhos e dados do Ministério da Educação.
No dia 8 de outubro de 2009, o juiz auxiliar da Corregedoria Nacional de Justiça , Ricardo Chimenti, enviou um ofício ao Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (INEP), solicitando a relação com nome, endereços e informações das mães de alunos sem paternidade estabelecida. Até meados do mês de maio, o INEP ainda não havia remetido as informações e o CNJ pensa em enviar este ofício ao ministro da Educação, Fernando Haddad.
A idéia do CNJ é usar as estastísticas do Censo Escolar de 2009, já que nos formulários preenchidos pelos alunos há um espaço para o nome do pai. Há 4 milhões e 800 mil alunos (!) para os quais não existe informação sobre o nome do pai, dos quais 3 milhões e 800 mil com menos de 18 anos e 992 mil com 18 anos ou mais. Este expressivo número representa 9,2 por cento do total de 52,5 milhões de estudantes do Ensino Básico.
A Corregedoria quer obter os dados por município, para poder ter um ponto de partida nessa busca em todo o Brasil. O programa, que deverá ser lançado até o final do primeiro semestre de 2010, obedecerá ao seguinte critério: Primeiro, a mãe comparece diante do juiz e informa o nome do suposto pai. Em seguida, numa segunda etapa, entra em ação um oficial de Justiça que sairá em busca da pessoa indicada pela mãe. Localizado, se reconhecer a paternidade do filho e registrá-lo, o processo termina. Se não, é aberta uma ação de investigação por DNA.
- Esse exame seria patrocinado pelo Ministério Público. Se o suposto pai se negar a fazer o exame do DNA, há jurisprudência no Superior Tribunal de Justiça assegurando que a recusa confirma a paternidade. Esse procedimento, obedecidas todas as etapas do critério adotado e acima referido, é feito a partir da Lei da Paternidade. Mães e filhos também podem procurar os tribunais e na falta de recursos valerem-se da Justiça Gratuita – explica Chimenti.
A primeira iniciativa buscando atenuar os efeitos da chaga aberta pelo não reconhecimento paterno e seus conseqüentes e perenes constragimentos, está no novo modelo da certidão de nascimento. No lugar dos campos de “pai” e “mãe”, agora aparece somente “filiação”.
A Presidente da Associação Pernambucana de Mães Solteiras (Apemas), Marli Márcia da Silva, que há 18 anos auxilia mães que buscam o nome do pai para seus filhos, diz que muitas mulheres vão à Justiça só quando as crianças pedem. Segundo Marli, elas não fazem isso logo que os filhos nascem porque, ao serem abandonadas, por pirraça, picardia, num claro engano, sentem que deixar o pai fora da vida da criança é uma espécie de vingança!
- Os pais, omissos, até gostam disso. Vitimadas pela ignorância e pelo egoismo, muitas vezes pressionadas pelos parentes que as sustentam e aos seus filhos bastardos, ao aceitarem e conviverem com essa situação, as mães não vêem e ninguém as convence de que , nessa tentativa de se “vingarem”, na verdade estão é negligenciando o interesse e o direito das crianças, que crescem e sentem falta do pai e, pior ainda, sofrem os piores vexames pela vida afora, por possuirem uma certidão de nascimento incompleta, lamenta Marli.
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