O lenço que acoberta um sistema falho

Jornal O Norte
27/10/2009 às 11:03.
Atualizado em 15/11/2021 às 07:15

Yago Cavalcante


Universitário


 


Neste mês de outubro, a partir da proclamação do Rio de Janeiro para sediar as Olimpíadas de 2016, o presidente Lula se demonstrou bem mais que um presidente atípico, com seu hábito de romper protocolos e de persuadir por meio de discursos subjetivos e comoventes; ele nos provou ser também um homem de sorte. Se, por ironia, o destino atrasasse o processo de seleção das cidades concorrentes em apenas quinze dias, o choro do nosso presidente deveria ser, por obrigação, muito mais sensacionalista, enfático e convincente. Indubitavelmente, o cenário de guerra que aterrorizou a capital fluminense neste último sábado ofereceria argumentos peremptórios aos representantes madrilenos.  Mas última onda de violência, decorrente da disputa de traficantes por pontos estratégicos de venda de drogas, vem mesmo é ratificar a teoria de que não se combate a violência por meio dela mesma.

A realidade gira em torno do fato de que afrontas violentas empreendidas pelo próprio Estado, ainda que bem-sucedidas, não oprimem os produtores da violência em si, os cabeças, mas sim seus reprodutores, jovens desamparados cuja importância no tráfico se equipara à relevância da descoberta de mais um ato secreto emitido pelo atual presidente do senado brasileiro. A metodologia utilizada até então pelo governo para combater o tráfico só contribui para a intensificação do ciclo: permanecem os chefes, desfrutadores de riquezas ilícitas ou de mordomias carcerárias, e reciclam-se os reles infratores, que, vitimados pela sociedade excludente, veem a criminalidade com alternativa, restando às suas mães apenas o reconhecimento de seus corpos.

Até quando continuaremos persistindo no equívoco, fazendo a vontade dos mandantes do tráfico e agindo como eles? Provas e exemplos de que os métodos vigentes são extremamente falhos não nos faltam. A cada ano, liquidamos não apenas quantias financeiras exorbitantes para o combate da violência no Brasil, mas também vidas de inúmeros inocentes; em contrapartida, o PCC, o CV, o PCP, o TCC se fortalecem. Obviamente, a excelência de gestão conferida aos líderes de tais facções é de causar inveja à maioria significativa de nossos governantes.

Validada a verdade de que a violência não se trata do mecanismo mais viável para se combater o referido cenário, vale esclarecer que não assiste ao Estado o direito de omissão diante de crises dessa espécie. A longo prazo, cabe a ele (voltando a lançar mão dos velhos lugares-comuns) investir na educação, na geração de empregos, na distribuição de renda e em outros inúmeros blá blá blás que já estamos fatigados de ler, mas que são transparentes a muitos daqueles que batem a nossa porta em época de eleição. A curto prazo, por sua vez, entraria o serviço de inteligência brasileiro, que atuaria na espionagem, na opressão pacífica ao crime organizado, por meio da identificação de facções, bem como de seus integrantes, seus projetos, suas áreas de dominação e, portanto, prevendo e evitando suas atuações. As alternativas soam como sendo simples, mas assim elas seriam se no Brasil cada repartição pública primasse por suas respectivas incumbências. Nesse caso, a ABIN (Agência Brasileira e Inteligência) seria, dada sua função, o órgão mais indicado para assumir o combate inteligente contra o tráfico, não fosse a crise de escândalos e irregularidades que hoje assola a agência. Comprometida meramente com interesses eleitoreiros e partidários do governo, mais precisamente do executivo nacional, a ABIN já trocou de comando quatro vezes desde 2003.

No mais, melhor seria se Lula soubesse quebrar não apenas protocolos, mas, sobretudo, velhos paradigmas de gestão que ainda comprometem o desenvolvimento do país, de modo que, nas próximas eleições para escolhas de cidades-sede, nossos futuros presidentes não precisem utilizar seus lenços como instrumento de persuasão.

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