O juiz

Jornal O Norte
19/08/2005 às 17:44.
Atualizado em 15/11/2021 às 08:50




Ronaldo José de Almeida *




O Dr. Júlio César era um juiz conhecido como linha dura, como mão pesada. Não tinha contemplação nem misericórdia. Todo réu, onde as provas circunstanciais o incriminavam, era impiedosamente lançado ao calabouço.




Certa vez, esse juiz entrou em férias e, ao voltar para trabalhar, mudou completamente seu enfoque e o teor de suas sentenças. Passou a usar a máxima de na dúvida, pro réu.




Por mais que as provas circunstanciais incriminassem o réu, ninguém mais ia para a cadeia por sentença desse juiz. Todos os advogados se entreolhavam e ficavam surpresos com tão radical mudança de enfoque.




Só que o juiz era muito reservado e fechado, não dando oportunidade a ninguém se atrever a lhe perguntar o que tinha acontecido. Um dia, contudo, apareceu o Dr. Xavier de Paula no fórum. Tratava-se de um velho advogado, que tinha sido colega de turma do juiz Júlio César e lhe era íntimo.




Os advogados mais jovens cercaram o Dr. Xavier de Paula e lhe relataram o motivo de sua curiosidade. Somente o velho advogado poderia desvendar o mistério. Esse, curioso que nem uma porca, aquiesceu.




- Dr. Júlio César, há quanto tempo não conversamos. Vamos tomar um café?




- Claro, meu velho amigo Xavier.




E assim caminharam juntos para a cantina do fórum.

 






- Diga-me, Dr. Júlio César, porque é curiosidade de todos, inclusive minha, o que pode ter lhe ocorrido para ficar tão liberal com esses criminosos, mesmo as provas circunstanciais lhe sendo incriminatórias?




- Meu velho amigo Xavier, são coisas da vida - começou a falar o juiz - Sabes tu que, desde criança, eu queria ser fazendeiro e o destino não me permitiu. Mas nessas minhas últimas férias recebi um convite de um primo que acabou de comprar uma fazenda na Vargem Grande. Não resisti ao desejo de passar uns dias na fazenda e fui com a minha mulher. Lá, um dia, perdi o sono e acordei cedo, eram 4 horas da manhã. Resolvi ir ao estábulo tirar leite de vaca, outro sonho meu.




Acendi as luzes do curral, apanhei um balde e caí no trabalho, só que a vaca era indócil, com a pata esquerda derrubava o balde. Então, apanhei uma corda e amarrei sua pata esquerda numa estaca. Aí, ela derrubava o balde com a pata direita; amarrei a direita também. Sentei num tamborete e reiniciei o trabalho de ordenha. Não é que a vaca começou a me chicotear com o rabo com tal violência que o jeito foi amarrar sua cauda numa trava do curral? Aí é que começou o meu problema. Nesse momento, eu tive vontade de urinar e foi exatamente quando a minha mulher, em minha procura, entrou no curral e me deu o flagrante. Até hoje eu estou tentando provar à minha esposa que eu estava apenas tirando leite da vaca. As provas circunstanciais indicavam outra situação e ela não me perdoou.




* Advogado e escritor





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