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Quinta-Feira,19 de Setembro

O homem que vendeu a Torre Eiffel

Jornal O Norte
09/12/2005 às 11:51.
Atualizado em 15/11/2021 às 08:55

Ronaldo José de Almeida *



A qualidade que distinguia Lustig dos outros vigaristas era sua habilidade para improvisar audaciosamente. Isso nunca foi melhor ilustrado do que quando ele idealizou uma das chantagens mais fantásticas de todos os tempos, na base de um só artigo de jornal.

Lustig, que sempre se apresentou como conde, já estava há uma semana em aparente ociosidade, ocupava-se às mesas de café à beira da calçada e examinando sem pressa os jornais diários de Paris. Estava com ele, nesse período, Dapper Dan Collins, um trapaceiro itinerante, a quem Lustig apresentava na ocasião corno seu secretário particular. Dapper Dan começou a desesperar-se pela falta de ação quando o Conde de repente dobrou o seu jornal e colocou-o diante do sócio.

- O governo estava estudando a possibilidade de derrubá-la... talvez fosse mais barato do que pagar as despesas de conservação

- Já sei qual é o nosso objetivo — disse ele — Não sei em quem vamos aplicar o golpe. Mas sei que pertence ao negócio de sucata. Trata-se de pessoa que fez recentemente bons negócios e agora está com apetite de coisas maiores. Leia isto. Apontou para um pequeno tópico noticiando que os reparos necessários na Torre Eiffel custariam milhares de francos. O governo estava estudando a possibilidade de derrubá-la... talvez fosse mais barato do que pagar as despesas de conservação.

Passou pelos olhos de Dapper Dan um lampejo de descrença.

- Você está doido? — perguntou ele — Não é possível...

- Eu acho que é possível. O jornal já se encarregou de fazer por nós a parte mais difícil do trabalho. Vamos precisar de credenciais do governo e alguns papéis timbrados, mas tenho um amigo que pode cuidar disso.

Alguns dias depois, cinco homens receberam uma carta pessoal do diretor geral adjunto do departamento encarregado da administração da Torre Eiffel, convidando-os para uma reunião em que seria debatida a concorrência para um contrato do governo. A reunião seria às três horas de sexta-feira, no apartamento do diretor adjunto, no Hotel Crilion.

No dia marcado, Lustig abriu a reunião:

- Senhores, peço toda a atenção. Vou fazê-los participar de um segredo oficial que só eu, o primeiro-ministro e o presidente conhecemos.

Fez uma pausa dramática.

- O governo vai transformar a Torre Eiffel em sucata.

Fez-se silêncio. A notícia era realmente importante.

- Com certeza isso representa um choque para os senhores — disse Lustig — Mas precisamos ser realistas.

- Sei que todos vocês leram a notícia sobre as despesas necessárias para reparar a torre.

- A torre foi inicialmente construída apenas como atração para a Exposição de Paris de 1889, e nunca se destinou a ficar permanentemente na cidade. Desde o princípio feriu a sensibilidade estética de todos os homens de bom gosto. O assunto precisa ser considerado sob esse ângulo.

Pensando nos lucros, os convidados do Conde estavam perfeitamente dispostos a considerar o assunto sob esse ângulo.

Lustig acompanhou depois o grupo até a torre, para uma visita de inspeção. A construção custou mais de sete milhões, e o ferro aproveitável, de alto teor, chegaria a 7.000 toneladas. Num estilo de homem de negócio, ele descreveu o número, o tamanho e o peso das vigas. Ao concluir, pediu que os compradores mandassem propostas lacradas ao seu hotel, até quarta-feira da semana seguinte. E concluiu:

- Lembrem-se, porém, de que os senhores estão de posse de um segredo de estado. Mantenham sigilo absoluto.

- Desejava, quase com desespero, alcançar triunfos financeiros cada vez maiores para compensar essa deficiência

Lustig já tinha escolhido a vítima mais promissora do grupo, tratava-se de André Poisson. O homem era de origem camponesa e sentia-se constrangido em sociedade. Desejava, quase com desespero, alcançar triunfos financeiros cada vez maiores para compensar essa deficiência.

As propostas chegaram prontamente, e no dia seguinte Dapper Dan procurou André Poisson para informá-lo de que a sua fora a vitoriosa. Na semana seguinte, Poisson tinha arranjado o dinheiro e Dapper Dan apareceu outra vez para combinar um encontro final no apartamento de Lustig.

- O pato está nervoso. Perguntou por que motivo os encontros se realizavam no hotel e não na sede do departamento

Ao voltar, Collins disse a Lustig:

- O pato está nervoso. Perguntou por que motivo os encontros se realizavam no hotel e não na sede do departamento.

- Precisamos então provar-lhe que somos realmente funcionários do governo — disse Lustig, dando uma sonora gargalhada.

A vítima chegou, como fora combinado.

- Parabéns, Monsieur Poisson — disse Lustig, efusivamente.

- Precisamos beber à sua vitória.

- O negócio ainda não está fechado — resmungou Poisson.

- É verdade. Vamos então cuidar do negócio antes do brinde.

Voltando-se para Collins, Lustig disse:

- Você pode voltar para o departamento. Estarei no meu gabinete às três horas.

No momento em que Collins saiu, desapareceu o ar de arrogância burocrática de Lustig.

- Monsieur — disse ele, com uma ponta de humildade — temos ainda um pequeno negócio a tratar. A vida do funcionário público não é fácil. Somos obrigados a vestir-nos no rigor da moda... e, com tudo isso, somos miseravelmente pagos. Assim, quando firmamos contratos do governo, é costume...

- Um suborno? — interrompeu a vítima.

- Monsieur é muito franco...

- E é por isso que nos encontramos aqui e não no departamento?

- É mais discreto — respondeu Lustig, sorrindo.

Poisson atirou a cabeça para trás e começou a falar alto, sentindo-se de repente superior àquele funcionário público.

- Não sou nenhum idiota, sei como se fazem as coisas.

De um dos bolsos tirou um cheque visado, de outro uma carteira recheada de notas, entregando o cheque e o dinheiro ao Conde. Com sorrisos de desculpas, Lustig se encaminhou para o bar, a fim de servir o brinde comemorativo. Dentro de uma hora tinha recebido o cheque e estava a caminho da Áustria.

Lustig e Collins foram se hospedar num dos melhores hotéis de Viena, durante um mês, e nesse período Lustig leu invariavelmente todos os jornais diários de Paris. Afinal, disse a Collins:

- O pato ainda não deu queixa à polícia. Isso só pode significar uma coisa: está muito envergonhado para confessar sua credulidade e tem medo de que o golpe o faça objeto das chacotas de Paris. Resolveu levar para o túmulo o nosso segredo. E uma vez que não tomou posse da torre, creio que podemos vendê-la outra vez, sem perigo.

Foi o que fizeram. E se não fossem os gritos de fúria da segunda vítima, ao descobrir o logro, é provável que tivesse havido uma terceira venda.

* Advogado e escritor

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