Ronaldo Duran
Escritor, autor do romance Ando de ônibus, logo existo!
www.livrariacultura.com.br
Toda vez que me perguntam por que virei ginecologista minha resposta sai meio que capengando, um quê de hesitação. Mas por quê? Afinal gosto do que faço, melhor, gosto muito da medicina. Uma ferramenta verdadeiramente a serviço da vida. Sim, desde que os picaretas ou gananciosos estejam do lado de fora. Contudo, no geral muito devemos à medicina. Veja meu caso, nasci de parto prematuro, sete meses e puxado a ferro, o tal fórceps.
Vai ver estas encanações são coisas de calouro na profissão. Semana que vem completo dois anos que conclui minha residência e comecei a trabalhar no hospital Municipal de Piracicaba. Quem sabe daqui a uns vinte anos eu já esteja 100%, tipo os professores que nos passam aquela segurança no saber e no domínio da técnica.
Ou talvez tais malditas encanações são frutos das piadinhas de colegas de república. O meu jeito é super-reservado, e não tem nada a ver com conveniência. Desde o primeiro ano do curso de medicina eu era do jeito que sou. Claro, amadureci um pouco. Mas a essência, sabe, é difícil mudar. Da faculdade de Medicina de Marília tenho ótimas recordações. Mas a maneira que os colegas me encarnavam eu tento a todo custo pôr de escanteio. Nas baladas, enquanto todos bombavam, eu ficava na minha. Bastou eu dizer lá na rep que poderia ser ginecologista, para o alvoroço acontecer “ah, o cara esconde o jogo. Vai azarar a mulherada quando for doutor...” e outras frase do gênero. Fiquei bastante chateado. E rolou até briga. Prometeram nunca fazer tal tipo de brincadeira sem graça.
Hoje, formado, atendendo num postinho, aos 29 anos, eu ainda me inculco. Nenhuma dúvida sobre a responsabilidade de um médico, da importância de um profissional ético, sobretudo, solidário com o bem-estar do ser humano. A saúde é nosso bem mais precioso. Mas por que eu fui me meter justamente com ginecologia, ainda fica um quê de interrogação? Até para mercado de trabalho é duvido, visto que as mulheres preferem suas camaradas como ginecologistas. Pediatra, cardiologista costumam soar mais respeitoso, inclusive dar mais retorno, segundo os comentários. Infelizmente não me movi por status ou pretensão de ficar rico.
Sou original de Corumbá. Minha família vive da e para a fazenda. Meus avós supermachistas. Vai ver me empolguei com os partos que ajudei a fazer nas éguas e vacas da fazenda. Talvez por causa de minha avó sempre impedida por seu marido de ir a um ginecologista, por achar que só o marido tem direito sobre o corpo da esposa, e por ter falecido por complicações do útero.
Vai ver pela minha timidez com as mulheres. Agora eu passaria a ser um herói, quase um ídolo, nada menos para alguém que tem acesso à nossa maior intimidade.
As razões são inúmeras, e se eu ficar encanando eu acabo fazendo um trabalho de colação de grau tão grosso que mataria de raiva ao supervisor que fosse obrigado a ler.
Vai ver seja por todas as razões que enumerei. Sequer descarto a possibilidade de prazer. Sim, prazer em ser prestativo, em ser admirado, etc. E para não correr o risco de evoluir algum lado pervertido, a minha namorada Íria me fortalece. Ela é Terapeuta Ocupacional e foi trabalhar num asilo para idosos lá em Jacareí. Estou só esperando ela passar na experiência e se firmar por lá, para eu me transferir e a gente casar, juntar os trapos.