Dirceu Cardoso Gonçalves
Dirigente da Aspomil
Todos os cuidados recebidos pelo presidente Lula, quando teve o pico de hipertensão, são devidos e garantem a sua saúde. Mas causam profundo constrangimento à população pobre, que morre nas filas de hospitais e ambulatórios públicos à espera de uma consulta ou atendimento básico. Escandalizam o cidadão comum quando este se lembra de que os cuidados dispensados ao presidente são pagos com o dinheiro público.
Sem qualquer dúvida, Lula é o retirante que deu certo e merece ser admirado por isso. Mas isso não o livra da obrigação de trabalhar, mais do que seus antecessores de origem não tão popular, para a diminuição das desigualdades entre as classes sociais deste país. Que o presidente tenha atendimento mais à mão e urgente, ninguém contesta. Mas o povo não poderia continuar sofrendo os horrores a que é submetido ao esmolar o que lhe é de direito.
Nos países desenvolvidos, ao lado dos quais o volume da economia brasileira nos coloca, o cidadão paga impostos mas em contrapartida tem atendimento de saúde, educação, segurança e uma série de outros serviços públicos de qualidade. No Brasil, cidadãos e empresas pagam elevada carga tributária, há a promessa legal da prestação de serviços, mas a qualidade é péssima. Filas nos hospitais, escolas que não ensinam, falta de oportunidade de qualificação e trabalho.
Além do atendimento vip, com direito a internação em hospital de Recife e monitoramento à distância pelo seu médico, que se encontrava em São Paulo, o presidente teve direito a enforcar a agenda de trabalho de praticamente toda a semana e ir para casa descansar. Ele tem direito a tudo isso. O povo, com certeza, se contentaria apenas com o atendimento eficiente e decente, quase nunca encontrado nas unidades de saúde à sua disposição. São centenas, talvez milhares os casos de brasileiros e brasileiras que sofrem picos hipertensivos todos os dias. Eles merecem pelo menos um pouco de respeito.
O Brasil possui um excelente cabedal de leis. Governos e legisladores de diferentes épocas pensaram o Estado sob todos os aspectos. Quem tiver a curiosidade de ler a legislação que cria e regula os serviços públicos de saúde fica maravilhado e tem a certeza de que esse serviço é da Suíça, da Suécia ou de qualquer outro lugar desenvolvido. Assim também ocorre com a Educação, a Segurança Púbica, o Trabalho e todas as coisas que são de responsabilidade do governo. Mas, uma simples verificação em qualquer desses setores causa revolta e desapontamento.
Há um grande fosso entre o Brasil idealizado no papel legal e o Brasil verdadeiro, onde somos obrigados a viver. O primeiro é organizado e competente e o outro, desleixado e algoz do povo. Essa triste realidade precisa mudar. O exemplo da saúde do presidente é apenas pano de fundo momentâneo. Seria indevido pensar que ele deva enfrentar as filas dos hospitais públicos. Mas o povo também deveria ser poupado desse martírio e, principalmente, não poderia ser deixado morrendo sem atendimento...