Márcio Adriano Moraes
Professor de Português e Literatura
marcioadrianomoraes@yahoo.com.br
Param em uma praça para tomar um sorvete. Ela prefere um picolé. Clima agradável, céu sereno, tudo propício para uma noite mágica. É claro que não poderia vacilar, então foi feito o convite: jantar romântico. As mulheres acham linda esta construção nominal: jantar romântico. Os homens inteligentes e cordiais sabem muito bem disso. Não foi diferente. O sim foi dito com um beijo bem molhado, gosto de bala icekiss, ou seria halls? Detalhe: no almoço dele, feijoada.
Local agendado, restaurante nobre da capital. Por que os bons restaurantes sempre são sem graça? Aquele clima silencioso, bem formal, o garçom com uma toalhinha branca na mão, um cardápio para cada cadeira, música dita ambiente. Esse é o típico clima romântico (para alguns). Para um casal aventureiro, o romance está no piquenique, no jantar à luz de vaga-lumes. Para um casal futebolístico, em frente à TV assistindo à vitória do time preferido (se não houver vitória, adeus ao mel). Para apreciadores de arte, o jantar romântico pode ser em qualquer lugar inspirador. Mas para não fugir ao padrão cultural das luzes de velas, lá foram ao restaurante.
Esquecer de puxar a cadeira para a dama sentar é erro cumulativo. Lógico que isso não ocorreu, o rapaz é um gentleman. Pediram ambos o mesmo prato. Essa é uma estratégia muito eficaz. Pedir uma comida diferente causa hálitos diversos e para um dos parceiros pode ser desagradável. Já pensou se ela pede uma pizza quatro queijos e ele um bife de fígado acebolado? Ainda bem que estes restaurantes chiques possuem cardápios com discernimentos e garçons bem informados.
Tudo estava bem, até uma distração, uma contração involuntária intestinal o surpreender, e sem perceber, sem que travasse o músculo, sai silencioso. Junto com o ar, o aroma. Lógico que ele sentiu, ela também, e os da mesa ao lado. Ela conhecia muito bem seu parceiro e isso era comum na rotina dos dois. Então, o riso disfarçado não foi tão bem disfarçado. E quando ele deu uma risadinha em meio a desculpas outro sai também silencioso. O casal da mesa ao lado reclama do cheiro. Como o restaurante ficava próximo a um córrego, culparam-no. Verdade que o córrego exalava um cheiro desagradável, sobretudo em épocas de chuvas, mas agora o pobrezinho não teve culpa. O cheiro continuou insuportável. O restaurante todo fechado. Outras pessoas começaram a reclamar. Um rapaz de terno branco e gravata vermelha sentado logo a frente sentiu-se mal e lançou umas golfadas nas quais se pôde perceber a escolha do seu cardápio. A confusão foi geral. O rapaz das flatulências começou a rir mais forte e soltou mais um. A situação piora, o gerente chega, o fedor aumenta.
O primeiro casal a sentir o cheiro convicto de que se tratava do córrego (como pessoas educadas em um ambiente como aquele recusavam a aceitar que se tratava de algo humano) reclama ao gerente. Como não havia animal por perto, sem dúvida eram os dejetos lançados nas águas. Com uma atitude infeliz para tentar amenizar a situação, o gerente diz ao casal que não precisava pagar a conta. O atrapalhado casal, responsável pelo clima, ouve o gerente e aproveitam para pedir uma garrafa de vinho. Tomam, trocam o prato singelo por um mais requintado. As outras pessoas se sentem incomodadas com o cheiro. O rapaz controla seu intestino e administra as expulsões de forma regular para manter o cheiro uniforme.
Fartam-se. Chamam o gerente e pedem a mesma regalia que foi dada ao outro casal. Encurralado (em cu ralado?), o gerente teve que deixá-los ir sem acertarem a alta conta. A melhor refeição que tiveram, o melhor jantar; não sei se tão romântico, mas ao final da noite, ela toda faceira diz ao galã antes de entrarem no quarto: “o seu cupido é forte, seu jeito curioso me encanta cada vez mais, agora mostra o cume!”