Paulo Henrique Souto
Produtor executivo, diretor do média-metragem Aníbal, um carroceiro e seus marujos, ator e assessor de imprensa - já lançou mais de cem títulos
A mosca azul do cinema me picou cedo, em Montes Claros, minha terrinha natal, no sertão roseano, norte de Minas, céu baixo, que dá vontade, até hoje, de tocar as nuvens, grandes e volumosas, como nos filmes. Final dos anos 50 até 70, então com 20 ou 30 mil habitantes, Montes Carlos tinha, por incrível que pareça, seis cinemas de rua, o Coronel Ribeiro, o São Luiz, o Nova Olinda e o Ipiranga, estes de Mario Ribeiro - irmão do saudoso Darcy Ribeiro -, que tinha mais oito cinemas nas cidades bem menores da redondeza. Aí surgiram mais dois, o Cine Fátima e o Lafetá, de seu Lezinho Lafetá. Lembro-me que, morando na Praça Coronel Ribeiro, ficava louco para chegar o sábado para assistir ao seriado Fuman Chú, nem sei se é esta a grafia, sei que era fascinante pois não tinha the end, no final o Fuman Chú, precursor destes Bruces Lee de hoje em dia, ficava estático na tela, sempre correndo do perigo, e tchan, tchan, tchan, tchan... aparecia "aguardem o próximo episódio". Mais instigante impossível. Ia dormir criando o próximo episódio nos sonhos, ou seja, decupando roteiros.
Vi muitos clássicos em todos os cinemas da cidade, adorava ouvir o prefixo, sempre uma linda música, o beijo na namorada o aperto de mão quando a luz apagava. O fascínio por fazer cinema também aconteceu na mesma época. Carlos Alberto Prates Correa ("Crioulo doido", "Perdida", "Noites do sertão", "Minas Texas" e o último, premiado em Gramado, "Castelar e Nelson Dantas no país dos generais") apareceu na cidade com sua equipe, incluindo Paulo José, para filmar "Milagre de Lourdes". Eu acompanhava tudo de perto e eis que acabei ao lado de Paulo José, vivendo um sacristão, papel que exercia de verdade do outro lado da Praça da Matriz, pois a locação, a sacada do sobrado colonial de Dr. Jair de Oliveira, era ali mesmo. Não dado por satisfeito, curioso como bom geminiano, assistia a todas as filmagens, rodando toda a cidade, fascinado.
Anos depois, já no Rio de Janeiro, com 31 anos, voltei a Montes Claros com o mesmo Carlos Alberto Prates Correa, como produtor executivo de um dos filmes mais bonitos - não se tem modéstia com 60 anos - do cinema brasileiro: "Cabaret Mineiro". Dei tudo de mim, com prazer inenarrável conseguia tudo pro filme, desde a banheira para colocar na zona boêmia, para Louise Cardoso, minha professora de teatro no Tablado, mostrar as tetas pro coronel Nelson Dantas (foto), de saudosa memória, até arrumar salão paroquial com meu padrinho Padre Dudu, do qual fui o sacristão já citado, para montar o cabaret. Foi um escândalo, imagem vocês, motivo de crônica nos jornais locais. E o diretor de arte Carlos Wilson, o famoso Damião, criou ali, lindo, o tal Cabaret Mineiro, pra Tânia Alves, com as meias de arrastão - que consegui com uma coroa "avançada" da cidade - cantar "a dançarina espanhola de Montes Claros, dança e redança na sala mestiça, cem olhos morenos estão seguindo o balanço lento e mole de suas tetas", do poema "Cabaret Mineiro", que Carlos Drummond de Andrade fez quando visitou a cidade... Na platéia do cabaret, ou do salão paroquial, fazendo figuração, amigos do diretor, incluindo meus familiares. Também mostrei a cara como ator, fazendo um galã fazendeiro, com lindas mulheres me lambendo à beira da piscina do sítio, com Helber Rangel de mocinho e bandido, Tamara Taxman, Eliane Narduchi, exuberantes, e como Carlos Alberto sabe filmar a alma feminina...
Tchan, tchan, tchan, tchan... aguardem o próximo episódio...