Ronaldo José de Almeida


Advogado e escritor

Ontem, logo pela manhã encontrei-me com um amigo que voltava de uma consulta médica. Estava acabrunhado, tristonho e amargurado, devido a impotência sexual que o martirizava. Entre queixas, lamúrias e recordações dos velhos e bons tempos, fui surpreendido com afirmações radicais e categóricas do meu amigo; tais como: Perdi a razão de viver. A vida já não me interessa. Em seguida emendou:

- Você sabe qual a melhor coisa da vida? Pois eu a perdi.

Não respondi. Achei que a pergunta do meu amigo merecia uma resposta mais elaborada e, à medida que me preparava para respondê-la, fui me dando conta que poderia apresentar-lhe uma lista tão grande de "coisas melhores da vida", nem saberia por onde começar.

Para que uma coisa se torne a melhor coisa da vida, se faz necessário satisfazer a pré-requisitos que seriam considerados para quem não os possuísse, a melhor coisa da vida.

A melhor coisa da vida para quem não ouve, por exemplo, seria ouvir. Para quem não enxerga, ver. Para o paraplégico, andar, e para o mudo, falar.  Para simplificar, poderíamos afirmar que ter saúde é a melhor coisa da vida e somente aqueles que atendessem ao pré-requisito de ter saúde para qualquer coisa, é que poderia fazê-lo.

Para Totonho, que passa o dia inteiro empurrando um carrinho cheio de bugigangas, analfabeto com quatro filhos, a melhor coisa da vida, afirmou-me, "é saber ler".  Para a mulher que tem um problema de infertilidade, e até para a que não a tem, certamente a melhor coisa da vida é ter um filho. Para o político certamente é o poder. Para o avaro, juntar dinheiro.

Para o glutão, certamente, não existe nada melhor do que comer.

Existem opiniões diversas, entre as quais se incluem: um amigo na praça, um bom marido, um bom provedor, uma amante carinhosa. Ser talentoso, ter uma grande família, ser longevo.

Os religiosos respondem rápido que a melhor coisa da vida é ter fé, enxergar a luz, ter proteção divina, crer em Deus.

Depois de rever a enorme lista de alternativas, constatei que aquilo que eu sempre considerei o bem maior não constava na lista, apesar de ser a única razão pela qual os homens e mulheres são capazes de sacrificar a própria vida para não perder.

O que seria então, aos meus olhos, a melhor coisa da vida?

Tendo nascido em um país cuja história está marcada pela escravidão e tendo vivido a maior parte da minha vida no século XX, no qual floresceram sistemas políticos escravizantes e mutiladores da natureza humana, como o fascismo, o nazismo e o comunismo, desenvolvi contra os referidos sistemas de governos verdadeiro horror.

Assim concluí que não poderia considerar nenhuma das coisas que me foram apresentadas como sendo "a melhor coisa da vida" sem o pressuposto de que fosse gozada em liberdade. Sem liberdade não há felicidade, não há prazer.

A liberdade de ir e vir, de falar, de mudar de opinião, de ler, ouvir, olhar e ver aquilo que desejar. A liberdade de amar, de odiar a injustiça e a tirania, a liberdade de optar, de criticar.

Assim, sem nenhuma dúvida, a melhor coisa da vida é a líber.