No toco da Jurema: Beto de três orelhas - por Ronaldo José de Almeida

Jornal O Norte
30/08/2008 às 11:37.
Atualizado em 15/11/2021 às 07:42

Ronaldo José de Almeida

Nascido Carlos Alberto, por ter uma pequena protuberância na ponta da orelha esquerda, desde pequeno o garoto Beto ganhou o apelido de Três Orelhas. Beto Três Orelhas, assim era conhecido, o negrinho esperto e carismático, filho de Dona Fulô.

Dona Maria Flor de Maio criava o pequeno Beto com muita dificuldade, tinha como renda apenas o que auferia com a lavagem de roupas. Do pai do moleque, ela nunca mais teve noticias, o menino foi fruto de amor de uma noite de carnaval.

Beto cresceu no meio da malandragem, nunca quis saber de escola, todavia aprendeu tudo que se diz respeito ao submundo.

Certa noite na birosca do Alaor, Orlando Sabonete, o bicheiro que dominava a região, homem muito rico e valente, tomava uma cerveja tranquilamente no balcão.  Aguardava a chegada de um cupincha, quando adentrou ao boteco o nordestino Virgilio e seus dois filhos, todos armados.

Postaram-se próximo ao bicheiro e de arma apontada o pai falou: - Vire-se para morrer cabra safado, vou lhe mostrar como se desonra filha de família séria.

Beto que contava apenas 13 anos a tudo observava. Vendo que a tragédia iria se consumar e sem que ninguém notasse apanhou o revolver do seu Alaor, dono da birosca, e apontou para a cabeça do nordestino Virgilio, desarmando-o juntamente com seus dois filhos e os mandou para casa.

O bicheiro que estava em companhia de dois capangas que nada fizeram, ficou muito agradecido ao negrinho por ter lhe salvado a vida e praticamente o adotou.

Beto Três Orelhas daquele dia em diante vivia sob a proteção do bicheiro, andava bem vestido e era bem tratado por todos na favela. O bicheiro Sabonete caiu de amores pelo rapaz, era o filho que nunca teve.

Aos dezoito anos, Beto Três Orelhas já tinha seu reduto, comandava vários pontos de apostas do jogo do bicho. Vivia bem, andava elegantemente vestido, usava pulseira e cordões de ouro, tinha carro e muitas mulheres. Era uma figura notável.

Dona Fulô também usufruía dos rendimentos do rapaz, morava numa casa melhor e com certo luxo. Também andava bem vestida, já não trabalhava lavando roupas, o seu filho cuidava de todas as despesas.

Num dia qualquer Beto foi até a casa de Orlando Sabonete, após conversar sobre amenidades o rapaz disse ao seu protetor que pretendia entrar para o tráfico de drogas, pedindo sua opinião.

Com a sabedoria da idade e longos anos na contravenção, o velho bicheiro foi totalmente contra e ainda ficou indignado com rapaz.

Mesmo assim Beto Três Orelhas seguiu em frente e passou a vender drogas, em poucos anos era conhecido como o maior traficante da região, enriqueceu vertiginosamente, sua fortuna ultrapassou a do seu protetor Sabonete.

O tempo passou, do pequeno filho pretinho de dona Fulô, não tinha mais nada, era outra pessoa, sempre cercado de seguranças, possuía seu pequeno exército composto de jovens moradores da favela.

Num domingo Beto Três Orelhas foi visitar Dona Fulô, o motorista parou o carrão na porta da casa da velha senhora. Do carro desceu o rapaz que parecia mais um astro de televisão, vestido luxuosamente, óculos escuro, correntes de ouro pelo pescoço, pulseiras, numa verdadeira ostentação de riqueza, contrastando com a pobreza do lugar.

Imediatamente foi cercado pelos meninos e demais moradores do local, cada um pedia alguma coisa, Beto mandava que falassem com o secretário que o acompanhava.

Ao ouvir o burburinho em sua porta dona Fulô saiu para certificar-se do que era. Vendo o filho, a velha senhora abriu-se num sorriso enorme, abraçaram-se.

Beto mandou que o secretário apanhasse os presentes e demais compras que trazia para sua mãe. Assim que caminhou na direção da casa, uma voz de menino chamou o rapaz:

- Beto Três Orelhas.

O rapaz voltou-se para ver quem era, ouviram-se então dois estampidos, Beto caiu nos braços de dona Fulô e disse:

- Quem é ele mãe?

Com a cabeça inclinada sobre o peito da mãe e um filete de sangue escorrendo no canto esquerdo da boca, Beto Três Orelhas morreu aos 24 anos.

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