Logotipo O Norte
Quinta-Feira,9 de Janeiro

Na cova das serpentes

Jornal O Norte
Publicado em 24/09/2010 às 15:54.Atualizado em 15/11/2021 às 06:39.

Eugênio Magno


Comunicólogo, mestre em artes e especialista em Fé e Política e em Educação.



Gustave Flaubert escreveu um romance sobre o perigo de ler romances. Advertia que, de tanto crermos neles acabamos perdendo o pé no nosso tempo. Assim também é com o cinema e com a mídia.



Um dos maiores expoentes do cinema de entretenimento, Billy Wilder, que o diga. E "disse" muito bem quando filmou A Montanha dos Sete Abutres. Com um enredo, direto e corajoso, é um exemplo do poder de manipulação dos meios de comunicação em nossas vidas. Rejeitado pela imprensa, na época, o filme acabou se transformando em um grande clássico.



Kirk Douglas, como o jornalista Charles Tatum, é o personagem principal. A viagem que ele faz para cobrir uma caça às cascavéis leva-o a um outro fato: um homem, Leo Minosa, personagem do ator Richard Benedict, ficou preso numa mina; e a reportagem passa a ser sobre ele. O foco narrativo do filme gira em torno da manipulação jornalística própria da imprensa sensacionalista. Através da montagem paralela testemunhamos à situação claustrofóbica de Leo e a paisagem aberta e ampla, porém desolada e árida - quase desértica -, do Novo México.



Amante dos trocadilhos - marca registrada em sua cinematografia - e, usuário contumaz das simbologias, Wilder trabalha com a metáfora da cascavel para atingir o efeito crítico que pretende. João B. de Brito, em Imagens Amadas (Ateliê Editorial, 1995), ao analisar esse expediente diz: O que Tatum vai encontrar na 'montanha dos sete abutres' é um ser humano sendo, circunstancialmente, obrigado a levar uma vida subterrânea, como a de uma cascavel, mas evidentemente, 'cascavéis' (sentido figurado) são aqueles que fora da caverna, se empenham em mantê-lo no subsolo para disso tirar o lucro possível. Todos, no filme, são biltres e, rastejam como as cascavéis em busca dos seus objetivos.



As semelhanças entre o filme e as matérias sobre os 33 mineradores soterrados na jazida San Jose, no norte do Chile, desde o dia 30 de agosto último, são evidentes. Não é demais dizer que o povo tem um interesse voraz pelas catástrofes e uma credulidade absurda na imprensa. Por isso usei a advertência de Flaubert. É preciso estar sempre alerta para as relações mediadas pela imprensa, pelo cinema e/ou pela literatura.



O filme, embora seja de 1951, já nos mostra os ingredientes do que veio a se configurar como "showrnalismo". Tatum, com o pedantismo peculiar dos colonizadores, sempre com um ar de superioridade professoral, arrogantemente tenta convencer a todos da sua astúcia, em demonstrações recorrentes de auto-afirmação. Mas diferentemente dos espetáculos midiáticos contemporâneos, o filme não deixa o espectador na condição passiva de voyeur. Ele mostra, em contra-plano, a situação de soterramento de Leo e, nos coloca, também, na incômoda situação de soterrados. De cúmplices do desespero, à espera de alguém que nos ame, diga a verdade, e seja capaz de nos dar a mão e nos retirar do buraco, no qual nos metemos.

Compartilhar
E-MAIL:jornalismo@onorte.net
ENDEREÇO:Rua Justino CâmaraCentro - Montes Claros - MGCEP: 39400-010
O Norte© Copyright 2025Todos os direitos reservados.
Distribuído por
Publicado no
Desenvolvido por