Na banca - por Ronaldo Duran

Jornal O Norte
Publicado em 16/07/2008 às 10:38.Atualizado em 15/11/2021 às 07:38.

Ronaldo Duran



É! Já vai um bom tempo, e eu enfurnado aqui. Sonhos perdidos, sufocados nos milhares de nãos que a gente leva a cada dia e que acabam nos empurrando para um lugar bem diferente do planejado.



Planejado?  Disso não me queixo. Jamais planejei ser jornaleiro.



Traço peculiar da vida de um jornaleiro. A gente quase toma partido da situação do cliente. Porque além de vender, raro evitar um dedinho de prosa. Sim, claro, têm os sisudos, os que só abrem a boca para perguntar quanto-custa ou chegou-a-revista, isto quando chegam a emitir som. No mais, eles são quietos e formais como estátuas numa praça.



Comecei nessa lida faltava pouco para eu completar trinta anos. Óbvio que antes havia ralado a beça. Sou de Minas Gerais, e aqui em São José dos Campos pousei por causa de uma briga de família. O pedacinho de terra lá em Minas perdido para latifundiário guloso. A merreca que deram, ou exigiram que nossa família aceitasse, pouca serventia teve. Meus pais meio sem rumo toparam vir para Capital do Vale atrás de uns primos. Moravam em Santana, e lá compramos uma casa modesta. Fomos à luta, eu e meus cinco irmãos.



Cinco anos aqui, e me convidaram para ajudar numa banca. Empenhei-me ao extremo. Passados dez anos, consegui comprar o ponto. A grana dá pra sobreviver.



Claro, que quem tem espírito empreendedor e muita sorte, consegue adquirir um apartamento por andar como é o caso do Nelson de Aquino. O cara tem umas dez bancas só em São José dos Campos. Jacareí, Pindamonhangaba e Caraguatatuba igualmente contam com sua força empresarial. A maioria, contudo, é como eu: vive para sobreviver. Se o cara não beber nem for mão-aberta consegue a custo ter casa, carro e uma aposentadoria mais ou menos.



Na banca há um mundo. Se ganha pouco, mas se diverte. Tenho até a quarta série primária. Mas graças à banca que mergulhei na leitura. Tive oportunidade de ampliar minha cultura geral, de me descobrir ao passo que ia desvendando o mundo que jorra nos periódicos. E não é para me gabar, mas no jornalzinho do bairro vivem me pedindo para escrever a coluna mensal. E eu não vacilo. Gosto muito.



As pessoas, ah, as pessoas. Os tímidos que buscam a playboy ou catam as de sexo explícito. As dondocas que levam Cláudia. As jovenzinhas que grudam nas Atrevidas. Os aposentados que não dispensam as palavras cruzadas. Os ambiciosos com os jornais de concurso público. E como não me lembraria, o grande Ricardo de José da Silva, 16 anos atrás, trêmulo e suplicante para ver a Folha de S. Paulo, na qual encontraria seu nome aprovado no curso de Psicologia da UEP.



Embora que quando comecei era pouco popular as assinaturas, ainda assim a magia de comprar uma revista ou jornal na banca encanta. Ano que vem me aposento, e, depois que eu bater as botas, se eu for reencarnado e tiver opção, talvez seja novamente dono de banca de jornal e revistas.

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