Luís Ricardo Silva Queiroz
Doutorado em Etnomusicologia pela UFBA e Mestre em Educação Musical pelo Conservatório Brasileiro de Música-RJ.
Este artigo analisa as relações entre música e cultura, tendo como foco os processos de comunicação na performance musical do Congado – Catopês, Marujos e Caboclinhos – de Montes Claros-MG. Objetiva discutir de que forma a musica, no ritual congadeiro, tem atuado como veículo de comunicação e como isso tem se estabelecido a partir do diálogo entre essa manifestação cultural e a sociedade. Tomando como base uma pesquisa bibliográfica e dados empíricos coletados junto aos grupos de Congado de Montes Claros, pode-se concluir que a música atua como um meio de comunicações múltiplas, que mantém a sua função dentro do Congado, configurando-se como um veículo condutor dos costumes e da tradição congadeira frente a sociedade como um todo.
Compreender o que seria cultura tem sido, nos últimos dois séculos, um dos principais anseios dos antropólogos. Segundo estudiosos, que vêm se dedicando à análise e compreensão desse assunto, a busca de uma definição do termo cultura vem desde Tylor (1832-1917), que a caracterizou como um todo complexo que inclui conhecimentos, crenças, artes, moral, leis, costumes ou qualquer outra capacidade e hábitos adquiridos pelo homem como membro de uma sociedade (Langness, 1987; Laraya, 2002; Mello, 2001). O conceito de cultura tem sofrido ao longo do tempo diversas conotações, adaptadas às distintas correntes antropológicas que foram se constituindo no decorrer da história.
Se pensarmos numa definição mínima de cultura como conceitos e comportamentos apreendidos e se a entendermos como um grande código, comum a um determinado grupo e/ou contexto, podemos afirmar que ela é o fator determinante para a concretização de todo processo que envolva relações sociais. Nesta perspectiva, tratamos nesse estudo de um dos aspectos comuns a todo e qualquer contexto cultural — a música — buscando entender como ela se configura no processo de comunicação dentro de um determinado grupo social.
Para Vanoye (1998), toda comunicação tem por objetivo a transmissão de uma mensagem. Para o autor, a mensagem, que é o objeto da comunicação, é constituída pelo conteúdo das informações transmitidas. Assim, para que uma mensagem possa ser transmitida e, conseqüentemente, haja comunicação, é necessário que ocorra um entendimento dos códigos utilizados nesse processo. Segundo Vanoye, “o código é um conjunto de signos e regras de combinação destes signos”.
Um dos aspectos essenciais na caracterização de uma cultura são as suas formas de transmissão. Os processos de aprendizagem — determinados por cada sistema cultural — são responsáveis diretos para a efetivação dos códigos comuns, estabelecidos pela cultura, que se constituem a partir dos comportamentos e conceitos aprendidos e concretizados pelo homem. Nesse sentido, concordamos com a definição de Gerttz (1989), quando concebe cultura como um conceito “essencialmente semiótico”, acreditando que o “homem é um animal amarrado a uma teia de significados que ele mesmo teceu” – a cultura. Significados esses, constituídos a partir das interações sociais (Gerttz, 1989, p. 15). Podemos, nessa mesma perspectiva, entender cultura como as escolhas feitas pelos humanos a partir dos significados que eles próprios estabelecem, com base em sua aprendizagem, ao lidarem com a natureza, com o meio social e consigo mesmo.
A música, pensada em relação à cultura, pode ser considerada como um veículo universal de comunicação, no sentido de que não se tem notícia de nenhum grupo cultural que não utilize a música como meio de expressão e comunicação (Nettl, 1983). É importante notar que, com essa afirmação, não estamos concebendo a música como uma “linguagem universal”, tendo em vista que cada cultura tem formas particulares de elaborar, transmitir e compreender a sua própria música, (des) organizando os códigos que a constituem. Dessa forma, não nos é possível compreender universalmente todas as músicas do mundo, por ser a linguagem musical de cada cultura adequada ao seu sistema singular de códigos.
Não temos aqui a intenção de discutir a música como linguagem, mas, sim, como um veículo de comunicação. Interessa-nos, nesta perspectiva, a idéia de que, embora numa concepção etnomusicológica, não entendamos a música como uma “linguagem universal”, e sim como um caminho universalmente utilizado em todo contexto social.
Neste estudo, analisaremos as relações entre cultura e música, focalizando especificamente os processos de comunicação na performance musical do Congado. Nosso objetivo é, essencialmente, discutir de que forma a música congadeira, na contemporaneidade, atua como veículo de comunicação e como isto tem se estabelecido a partir do diálogo entre essa manifestação cultural e a sociedade como um todo. Tomamos como base para nossas reflexões, além de uma pesquisa bibliográfica direcionada para esse tema, dados empíricos coletados junto aos grupos de Congado – Catopês, Marujos e Caboclinhos – de Montes Claros.