Itamaury Teles
Não é de hoje que o mineiro é considerado – longe do território montanhês, é claro – excessivamente parcimonioso nos gastos. Isso, para não dizer adjetivos um tanto vulgares e pouco corteses, como pão-duro, munheca de samambaia e mão-de-vaca. Ou mesmo qualificações esdrúxulas e cheias de metáforas, todas atinentes ao suposto fato de termos a mão constantemente fechada para não caber no bolso e, conseqüentemente, evitar gastos.
Assim, somos apontados como os que “não abrem a mão nem pra tomar bênção ao padre” ou “nem pra jogar peteca”. Pior ainda: “os que atravessam uma piscina a nado, com um Sonrisal na mão fechada, e o remédio não molha”. É triste, mas rotulam a nós mineiros assim mesmo.
Mas onde estará a raiz desse problema?
Não faz muito tempo, ali pela década de 60 do século passado, falava-se, com propriedade, que mineiro era tão econômico, mas tão econômico, que quando juntava dinheiro debaixo do colchão e depois ia contar, acabava por fundar um banco. Naquela época, Minas Gerais era o berço da maioria dos bancos brasileiros. Ainda hoje, na origem dos grandes conglomerados financeiros, podemos encontrar o gene do banqueiro mineiro. Talvez em função dessa aparente riqueza, começaram a falar mal de nós noutras plagas. Antes assim a gastadores contumazes, que se endividam e passam a se esconder dos credores até o último suspiro.
Nós, que nascemos e crescemos em meio ao povo montanhês, estamos por demais acostumados a assistir cenas que confirmam alguns comportamentos avessos ao desperdício, digamos assim, com certo eufemismo.
Talvez oriundo de um tempo em que os produtos industrializados eram difíceis de chegar a este sertão mineiro, ainda pude presenciar o meu avô, já velho e cego, afiando a lâmina de barbear usada, na parte interna de um copo de vidro. Mas nunca vi, como afirmam maldosamente, mineiro partir um palito de fósforo ao meio, para duplicar a capacidade de acendimento.
É claro que há casos pontuais de elementos avarentos e pouco afeitos à filantropia, que só fazem caridade com o chapéu alheio. Nesse sentido, conheci um certo fazendeiro sovina, que jamais ia à missa dominical, tão somente para não contribuir com a coleta. Por isso mesmo, só assistia a missa pela televisão e, mesmo assim, sempre saía para tomar um café, justamente na hora que via a sacolinha vermelha circulando por entre os fiéis. Mesmo à distância, aquela sacola coletora de óbolos causava-lhe um mal danado...
Embora seja voz corrente que toda mesa de jantar de mineiro tenha gaveta, para se esconder os pratos durante a refeição, caso surja alguma visita inesperada com ares de fila-bóia, jamais presenciei essa cena. Trata-se, com certeza, de mais uma infâmia assacada contra nós. Não há dúvida alguma nisso.
Mas, já vi algo parecido e não posso me omitir. Trabalhei em uma indústria em Montes Claros, quando era adolescente, e lá havia um senhor, meu colega de escritório, que vendia doces para os operários. Mantinha uma lata na gaveta de sua mesa de trabalho, trancada a chave. Às vezes, ele mesmo gostava de comer da guloseima que vendia. Para não me oferecer, debruçava-se sobre o birô, abria sorrateiramente a gaveta e dali retirava um doce de sua lata e degustava-o às escondidas, achando que eu nada percebia. Muitas vezes, tive de sair do escritório para não rir daquela cena inusitada e patética.
Agora, sovina mesmo era o fazendeiro Anacleto Licordivo, que morava perto de São José do Gorutuba. Um dia à tarde, sol já se pondo, aparece em sua fazenda o compadre Anfilóquio dos Prazeres, montado em uma mula tordilha. Molhado de suor e faminto, resolve ali pernoitar. Apeou, proseou, proseou e nada de oferecimento de banho ou comida. Lá pelas oito da noite, o velho Anacleto pergunta:
- Qué banhá os pé pra dormir, cumpade?
No que o Anfilóquio, maldosamente, responde:
- Num faz mal banhá os pé antes de jantá não, cumpade?
Este mesmo Anacleto, um dia chegou em Porteirinha, com o rosto inchado e com muita dor de dente. Esmenegarda, sua mulher, até amarrou-lhe um pano no rosto, para o queixo não sacudir muito, na viagem em lombo de burro. No gabinete de Zedetônio, o dentista prático, mesmo morrendo de dor, quis antes saber o preço da extração do dente.
- Quanto é a distração de dente, doutor?
- Cinqüenta cruzeiros.
Assustado com o alto preço, e como tinha um barbante no bolso, pediu arrego:
- E só pra dar uma bambeadinha?