Mundo sem fronteiras ou... vou-me embora para a Suécia

Jornal O Norte
04/11/2005 às 11:58.
Atualizado em 15/11/2021 às 08:53






Leonardo Campos


 

A pátria desejável é aquela sem fronteiras. A nacionalidade é única e todos nós somos irmãos em tudo. O dinheiro não é estorvo ao nosso direito de ir e vir. Mas algo assim não passa de uma utopia. Só o nosso imaginário não tem fronteiras.                           





Partindo da premissa do sonhado mundo sem fronteiras, no portal do umbral pior delimitador do sertão, arauto das desventuras, em janeiro de 2.005, identifiquei moldes do balanço do fundo de um mar em rochas que galguei em busca de uma cachoeira nas águas de Santa Bárbara. Já o sal-gema é registrado em florescências no semi-árido da outrora freguesia de Santo Antônio de Salinas. Acumulou-se pela evaporação da água de um mar das épocas da história física da Terra.

 






Não muito distante, o tino do arqueólogo fez-me perceber, no Brejo das Almas, em setembro de 1.984, a mesma ocorrência de domos salinos, bem ao lado de um depósito aluvionar impregnado de fósseis de enormes animais da nossa extinta fauna pleistocênica.




Nos três lugares, o mar foi embora. Deixou não mais do que o seu molde ali e o sal fóssil acolá. Nas Almas, vidas aparentemente invencíveis, como eremotérios e mastodontes, desistiram da vida há 15 mil anos ou pouco mais. 




Se o cometa Halley esteve no sertão, em 1.910, como algo semelhante a um segundo Sol e uma cauda cobrindo mais da metade do céu, retornou novamente das gélidas profundezas do sistema solar, das quais emerge periodicamente, praticamente incógnito e zombeteiro, como a dizer que queria distância. Era uma luzinha de quase nada, em 1.986.




Insentimental, a flor de aragonita, um espeleotema formado de feixes de cristais alongados, revela-se, sem reverdecer, nas cavernas do sertão. A seu turno, as pérolas, que não são do mar, mas oólitos, pequenas concreções calcárias arredondadas, deitam-se na eternidade subterrânea dos maciços constituídos essencialmente de carbonato de cálcio, os quais se formaram no pré-cambriano superior do sertão há 600/700 milhões de anos.




A flor de aragonita e as pérolas da gruta nada aspiram além. Recusam-se a buscar a felicidade, mesmo ao entardecer. A proeminente fauna pleistocênica desistiu da vida. Ato covarde.




Não sou as pedras e, ao contrário de eremotérios e mastodontes suicidas, não desisto. Garimpo a proximidade. Confessando com coragem o lapso do acontecido, terrígeno e terrífico, e buscando, resignado, concluir a minha missão evolutiva na ultrapassagem de abismos de sombras, armo-me previamente da minha visão tridimensional, mais acurada e cuidadosa, para compreender com a coragem do mar que foi embora, buscando a abdução do resgate ao ponto luzente.




O que vislumbro do regaço do meu bloco energético sobrevivente, nele rebuscando a minha individualidade não destruída a indicar-me os inafastáveis conhecimentos das existências pretéritas, a Suécia é pátria de duas cores: o branco da paz e o amarelo do saber que busca as aspirações maiores. Ali aguardarei, prazerosamente, o cometa Halley, então eqüidistante do portal, em 2.061/2.062.




Como consignou Manuel Bandeira, logo no início de Vou-me embora pra Pasárgada:




Vou-me embora pra Pasárgada / Lá sou amigo do rei / Lá tenho a mulher que eu quero / Na cama que escolherei / Vou-me embora pra Pasárgada / Vou-me embora pra Pasárgada / Lá a existência é uma aventura / De tal modo inconseqüente / Que Joana a Louca de Espanha / Rainha e falsa demente / Vem a ser contraparente / Da nora que nunca tive.




Deixando assim consignado o que sei porque sei e sei porque vi e vivifiquei, concluo, do meu saber, que levarei tão-somente as minhas filhas, afagos de todas as minhas auroras, de antemão dispensando e repelindo obsidentes de cá, por lá descartáveis e dispensáveis em nome de venturas melhores.




A Suécia assim se explica.





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