Mulheres - por Eduardo Lima

Jornal O Norte
25/01/2007 às 10:09.
Atualizado em 15/11/2021 às 07:56

Eduardo Lima *

A tudo desdirei se me provarem que não dói. Eu nunca morri, mas tenho me aprofundado no tema. Minha mãe, também, anda na matéria. Beirando os oitenta, vê-se deixada e só; muitos se foram, a solidão é uma enfermidade! E se minha habilitação consola, no assunto morrer tenho alguma experiência, o que aplaca a dor de Hilda.

Vi, mãe, um jovem do Gorutuba morrer de torresmo. Torresmo gordo. Vi os meninos de Islamabad presos aos ferros, concretados, vivos e partidos. Meninos de Punjab sob a ira de Stan, o furacão. Vi a faca cravada e a cara da faca, no cravo e na madeira, ambos batidos e feito ferro. Vi a embolia verbal de um presidente e outro. Até coisa esquisita vi, feito uma morte de pum pá. Pum, o tiro, pá a queda.

Vi morte de aftosa em boi e vaca, um morre contaminado e todo o rebanho deve morrer, há esta sonoridade em gado. Vi um morrer de breu: saiu à noite e caiu na vala. Outro morreu de soluço, um violonista e cantor, cheio de bondade e bigode. Vi morrer uma amiga imortal e acima de tudo. Fui longe, à minha infância para ver o que não se deixará de ver; sangue. E na adolescência, sangue de meu pai. E depois sangue de meu irmão mais novo.

A morte se comunica comigo e faz-me ver que, observada a vida de perto, mulher não gosta de notícia nem de aflição filosófica. Mulher gosta de fatos fortuitos, informações sobre o informal. Mulher que é mulher liga para a outra durante o Jornal Nacional. E enquanto vida e morte se contagiam, conta pérolas.

As mulheres nos fazem ver a vida outra. E quando ficam batendo a passarinha, quando pulsam informais e lânguidas e propõem vadiar, as notícias as sobrevoam, fazem rasantes e se fincam pouco dolores na alma arrebatada.  Eis, pois, que uma mulher é a substância, a vida expressa e motiva. De ser mãe já basta para explicar este conforto. E se nos alivia e se nos emenda e nos protege contra as visões de precipício, melhor será a mulher para nos garantir do péssimo.

Uma mulher dedicada a si e mais, uma mulher aluvião, uma mulher que seja mineral mesmo, avista o que homem algum avista. E se antecipa. E prova antes, lambe as sensações. A morte quando comentada por uma mulher parece coisa à toa, um espirro, sei lá, um gozo, psiu, milésimo.

Mulher é vento soprando os cabelos desalinhados do contra. Tanto que falei sem mais sobre a morte de Bornay. Clovis Bornay morreu! Alguém diria que virou borboleta. Outro, purpurina. Alguém dirá alguma coisa sobre a morte do museólogo de Copacabana, o pavão Clóvis e sua peruca frouxa, um símbolo nosso, a alegoria, comissão de frente. Clóvis Bornay morreu, disse em minha desolação de carnaval. E minha mulher, num tisno, fez um laudo e com humor insalubre anunciou: Clovis morreu de Cauby Peixoto. Rimos, inexplicavelmente.

Mulheres são assim diante da vida, assim diante da morte. Por elas desdigo muito, pois parece que morrer não dói. Mulheres têm grandeza e sabem sofrer melhor. Minha viúva haverá de confirmar.

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