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Segunda-Feira,23 de Junho

Muito sem graça - por Eduardo Lima

Jornal O Norte
Publicado em 13/02/2007 às 09:49.Atualizado em 15/11/2021 às 07:57.

Eduardo Lima *



As tragédias, as grandes guerras e os pavores naturais são fatos distantes da gente. O Brasil é abençoado, um país santificado. Há vastidão e fartura, a terra é firme, há água que brota pura e dada. Guerra, guerra mesmo, talvez Farrapos, uma revolta aqui e outra acolá. Um golpe malfadado e ruidosas frustrações. No mais, crimes.



Medos se restringem a guardar a casa, estudar menino, burlar a multa e esperar salário - incluindo os medos que são do mundo; medo da tsunami, do meteoro, da fúria de Deus. Só que se pode observar, e os sociólogos atestam, o surgimento de um novo medo: o Brasil abriga 30% das espécies animais e da água potável da terra e, assim, sente-se fragilizado diante de outras forças planetárias. Há, em cada um de nós, mesmo velado, o medo de sermos invadidos por estrangeiros, particularmente pelos americanos, que beberão em nossas canecas e nos usurparão. É sabido que os brasileiros jovens, escolarizados, temem uma futura invasão americana.



Medo dos americanos é comum, em todo o mundo, até porque os americanos são vorazes e não transigem à vista da possibilidade de colonizar, mesmo que para isso tenha que humilhar e dizimar, tal como se tentou no Vietnam e, agora, no Iraque. Consta que no Iraque seria pelo petróleo, o que fundamenta o pavor dos brasileiros, pois logo a água terá mais valia que o combustível das máquinas e sem ela a humanidade perecerá. Os americanos serão findos, o orgulho americano será nada, ressequido e morto tudo estará.



É necessário, pois, que nos preocupemos. Não é de hoje que os americanos nos colonizam, seja com o seu dinheiro, seja com a sua cultura de massas. Já estamos americanizados, nos misturamos com os gringos, incluímos seus hábitos e sua língua ao nosso cotidiano e quando isso se tornar imposição e regra, mais doloroso será. Lembro-me; muitos de minha geração lutaram contra o massacre que nos impunham, embora ouvíssemos em alto som o manifesto de Dylan, o resfolegar barítono de Elvis, a harmonia desproposital dos Byrds e usássemos calça Lee, enquanto em Woodstock fumavam, melancólicos, finíssimos baseados.



Tudo parecia natural, por isso reagíamos sem fazer força, já que brasileiro adora americano: até mesmo os movimentos mais ufanistas se deixaram impregnar e a Tropicália cantava em inglês, a jovem guarda fazia versões, a bossa nova tinha sotaque e a Shell, a Esso, a Texaco nos tutelavam enquanto Fidel falava sozinho um desafinado discurso nacional.



Todo mundo queria tocar guitarra elétrica e nossos grupos musicais eram The Clevers, Jet Blacks, Blue Caps, Shadows, Fevers e por aí. O rádio falava inglês, a TV repetia o inglês e os seriados e nossos heróis eram todos americanos; chegamos a ser, sem saber por que, inimigos dos comanches e dos japoneses, dos alemães e dos russos.



O medo da invasão é, sem alarde, justificável. Temos mesmo que ter medo. Daqui a pouco as coisas podem ficar mais estranhas e como seremos invadidos e atados a ferros pelos americanos e seus símbolos - Coca Cola, McDonald´s, Fridays e congêneres - como seremos invadidos, mantenhamos pelo menos a fleuma. E negociemos com os colonizadores um mega espetáculo de estréia, com as mais luminosas estrelas do show biss. Um evento planetário em Copacabana, com direito a drinks e fast food, um espetáculos feérico, de encher o céu.



Tudo digitalizado, cabendo apenas por respeito ainda ao nosso atraso e à nossa cultura tocada a burro, um saudoso arrastão, sob as ordens desorientadas do tráfico. No mais, tenhamos medo. Os gringos estão aí e não ficará pedra sobre pedra. E até mesmo os objetos de meu amor, minhas paixões mais declinadas - fora meninos e mulher - até mesmo minhas cidades perderão a essência e o nome pátrio. Para os invasores Montes Claros será Bright Mountain. Belo Horizonte, Beautiful Horizon. Fica até bonito, mas não tem a mínima graça.



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