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Quarta-Feira,10 de Setembro

Mudando de opinião

Jornal O Norte
Publicado em 04/08/2011 às 18:21.Atualizado em 15/11/2021 às 06:02.

Bruno Albernaz (*)



Há alguns dias fui a uma micareta, festa da qual sempre exprimi insultos e mantive resistência. Nunca imaginei que um dia eu iria me retratar com aquelas pessoas que calorosas discussões já travei a respeito desses carnavais. Mas, não vendo outra verdade que não essa, assumo: afora a sordidez do conteúdo artístico, essa é, de fato, a festa da evolução humana.



O leitor certamente instigado já está para apreender tal afirmação e o escopo que me apego para ratificá-la. Pois bem, os argumentos poderiam ser muitos, mas atentar-me-ei ao eterno tabu da questão sexual.



Tão logo adentrei ao circuito das depravações, que logo apelidei de paraíso desconhecido – desconhecido até então pelo menos por mim – imaginei grandes nomes que desejariam ali estar, que lutaram por tamanha liberdade sexual.



As vicissitudes sexuais a serem analisadas começam no traje, passam pelas sensuais danças, pela sedução dos jovens e pela embriaguez que inveja daria até mesmo a Dionísio.



Uma vez na festa, me lembrei de coisas referentes ao carnaval e à verdade que aquela festa traz. A ojeriza à festa me fez custar a compreender o poeta Aldir Blanc que por sua vez custou a compreender que fantasia é um troço que o cara tira no carnaval e usa todos os outros dias do ano.



Enquanto a banda tocava músicas baianas, me veio à cabeça o boi Ápis no Egito sagrando a festa de Isis, a festa de Baco em Roma e as máscaras negras nos bailes de Veneza. Quantas foram na história humana as festas que buscaram um termo comumente utilizado no carnaval em que eu estava, o vale-night.



A primeira pessoa que imaginei ser merecedor de estar ao meu lado foi o compositor italiano do século XVI Giovanni de Palestrina. Ele foi compositor oficial do vaticano, mas só depois de longos anos é que os doutos da capela Cistina perceberam que o compositor não fazia nada mais que adaptar músicas profanas de cunho sexual cantadas nos subúrbios de Roma.



Outro que sem dúvida era digno de estar ao lado meu e de Palestrina é o maior compositor de todos os tempos em quantidade e em qualidade, Wolfgang Almadeus Mozart. O compositor austríaco, pelo que conheço, seria o que mais se divertiria na festa profana da micareta.



Mozart foi o responsável por levar aos palcos na conservadora Viena do século XVIII a ópera As Bodas de Fígaro, cuja alocação que foi censurada seria em um prostíbulo. Tal intento foi uma afronta aos olhos do imperador, que nada entendia de arte, mas que era o grande censor da época.



Tempos e tempos vêm e os grandes censores são sempre ignorantes. O próprio povo é a ignorância que sustenta a hipocrisia ao negar a liberdade, e considere esse conceito como sendo libertinagem.



Hoje pelo menos não precisamos ser tão presos como Eça de Queiroz na conservadora Lisboa do século XIX. As nuances da personagem Maria Monforte jogaram na cara coisas podres de uma sociedade hipócrita, sobretudo na questão sexual.



Muitos outros são merecedores de se juntarem na micareta a mim, a Palestrina, a Mozart e a Eça de Queiroz. Meus cumprimentos ao marquês de Sade e ao seu maior adaptador, Pier Paolo Pasilini, que certamente seriam os mais depravados do carnaval.



Seja bem vindo também Junqueira Freire, protagonista de consciente secularização por arrependimento. Merecia você nascer na Salvador de hoje, grande poeta. Sejam Bem vindos os que, apesar de recentes, são incompreendidos. Bem vindo Raul Seixas. Sua benção Sérgio Sampaio, o maldito.



Desculpem-me os que ficaram de fora e que tão altivamente contribuíram para a obsolescência da hipocrisia social. O problema é que me faltam linhas. Mas quem sabe um dia todos juntos possamos dançar, no dizer da galera de Recife, um carnaval no inferno. 


  


(*) Jornalista

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