Morcego não é vampiro

Jornal O Norte
Publicado em 05/04/2011 às 09:24.Atualizado em 15/11/2021 às 17:25.

Alberto Sena (*)



O nosso sempre lembrado e comemorado Tião Boi, sapateiro que fez história ali na Rua Presidente Vargas, entre as ruas Dr. Veloso e Afonso Pena, nas décadas de 1960/70, ficava doente só de ouvir alguém pronunciar ‘sapo’ ou ‘jia’ perto dele. O corpo de Tião empolava todo na hora e o homem virava uma fera.



Para tamanho asco por anfíbios de grande importância como são os sapos e jias, ele devia ter lá as suas razões. Mas certamente, Tião sabia que esses animais fazem parte de uma cadeia de outros animais úteis ao ser humano porque devoram insetos a nós nocivos com voracidade incrível devido a sua língua elástica.



Conheço algumas pessoas que têm pavor a morcegos. E olhe que esses mamíferos alados da ordem Chiroptera mal nenhum fazem, a não ser os hematófagos, aqueles que vivem nas grotas longínquas, e são uma minoria, que transmitem a raiva. Esses voltam toda noite para chupar o sangue dos animais como cavalos e sempre na mesma ferida.



Os morcegos representam um quarto de toda a fauna de mamíferos do mundo. Existem mais de mil espécies, eles só não ocorrem nos pólos, por motivos óbvios. Comem frutos, sementes, folhas, néctar, pólen, artrópodes, pequenos vertebrados e peixe.



A contribuição dos morcegos à estrutura e dinâmica dos ecossistemas – são importantes polinizadores, dispersores de sementes e predadores de insetos – é fundamental. Sem os morcegos, que segundo estudiosos norte-americanos estão diminuindo na América do Norte, a agricultura do Tio Sam pode sofrer prejuízos de R$ 6 bilhões.



Os números foram publicados numa recente edição da revista Science. ‘Muitos de nós, que temos conduzido pesquisas com morcegos ao longo dos anos, assumíamos e dizíamos que eles eram economicamente importantes [...], mas não havíamos percebido a magnitude do impacto dos morcegos na agricultura’, explicou Thomas Kunz, um dos autores do artigo.



'Uma simples colônia de 150 morcegos marrrons (Eptesicus fuscus) em Indiana, Estados Unidos, come 1, 3 milhão de insetos que destroem plantações ao ano, o que traz uma economia considerável em pesticidas e outros métodos de controle de pragas’, ele disse.



A diminuição da colônia de morcegos norte-americana preocupa os pesquisadores. Nos últimos anos, uma estranha doença, batizada de ‘síndrome do nariz branco’, e o aumento do número de turbinas de energia eólica vêm reduzindo o número deles. ‘Devido a estas ameaças combinadas, um declínio abrupto e simultâneo das populações [dos morcegos] está ocorrendo [..] em uma escala poucas vezes vista entre mamíferos’, afirmam eles no artigo.



Enganam-se os que acham que a morte de morcegos seja uma questão apenas para a agricultura e as florestas da América do Norte. Kuns afirma: ‘Eles são importantes no Brasil como são nos Estados Unidos, no Reino Unido e em outros locais do mundo’.



Os morcegos têm capacidade impressionante de se guiarem no escuro. Eles emitem ultrassons, o que foi descoberto em 1941. Essa capacidade os leva a evitarem os mínimos obstáculos. E conseguem localizar presas, por menores que sejam em pleno voo. Não foi à toa que inspiraram a invenção do radar.



Quanto a isto, desde crianças, ali na Rua São Francisco, em Montes Claros, viciados em empinar papagaio até a noite, nós tivemos a experiência prática da fantástica capacidade dos morcegos de se orientarem. Eles, quando muito, tocavam de leve a linha, sem nunca a cortarem. As crianças mais traquinas agitavam bambus no meio da noite e matavam alguns, como as hélices das turbinas de energia eólica, nos EUA.



Um grupo de pesquisadores norte-americanos fez uma experiência com os morcegos: puseram um exemplar dentro de uma sala escura cheia de fios de aço atravessados. Reproduziram caoticamente gravações de sinais sonoros emitidos pelo próprio morcego que sofria a experiência. O bichinho não se confundiu nem mesmo com os seus próprios sinais.



Com base no exposto aqui, quando o nobre leitor se encontrar cara a cara com um morcego, não faça escândalo. Trata-se de um bicho de grande utilidade. Acenda a luz e ele irá embora.



E jamais suba em mesa só porque viu correndo na parede da sala de sua casa uma daquelas lagartixas transparentes. Se a bichinha apareceu ali é porque encontrou comida. Lagartixas são predadores de insetos. Sapos, jias e morcegos também.



(*) Jornalista  e escritor


 

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