Marcelo Valmor Paculdino Ferreira (*)
Em uma época onde ganha corpo o Movimento Catrumano, com o reconhecimento por parte do governo de Minas Gerais da cidade de Matias Cardoso como um dos primeiros povoamentos do estado, nada mais interessante do que discutir a importância da memória local.
Apesar de ser historiador por formação, não pretendo, neste espaço dedicado a público diverso, discorrer sobre teorias que fundamentariam o conceito Memória. Por isso, a pretensão, única, é de chamar a atenção, de homens e mulheres, para aquilo que constitui nosso capital patrimonial humano.
Diferentemente do texto científico que me convida a mais pura objetividade possível pretendo iniciar esse material com a seguinte história. Em visita do meu filho mais novo, Pedro Lopes de Carvalho Ferreira às Montes Claros, anos atrás, acabei, entre alguns programas, por levá-lo ao Parque Municipal. Logo na entrada é perceptível o busto de Milton Prates doador do terreno que se originaria tal espaço. Parei diante da imagem e meu filho, na memória mais imediata que dominava até então sua formação, exclamou: - Pai, aqui alguém morreu! - Ato contínuo, corrigi a frase para a seguinte: - Pelo contrário, aqui alguém vive!
Ora, se a possível permanência dos que se foram pode ser sintetizada em obras, somos uma cidade edificada sobre fantasmas! Apesar de nossas praças e ruas carregarem um sem nome de pessoas, dificilmente alguém é capaz de responder pela vida ou importância delas para a cidade. Expliquei para o meu filho quem tinha sido aquela pessoa, mas não posso explicar, principalmente para aqueles que não dominam a necessidade da curiosidade, todos os nomes deste lugar.
O jeito foi apelar para essa matéria no sentido de despertar, quem sabe em um espírito zombador, pelo menos, a necessidade de se apelar para o passado. Não para reafirmar a dominação ideológica que tanto atormenta os espíritos de esquerda, mas para investidos da mais absoluta realidade, - aquela que se encontra do lado da gente -, procurarmos saber as contribuições dadas para o desenvolvimento e formação do povo local representadas nas figuras dessas personagens; na esperança de que, de posse dessas histórias, possamos nos aproximar ainda mais da cidade e, convictos, propormos mudanças.
Arthur Schopenhauer (1788-1860), filósofo alemão, nos chama a atenção no seu texto A Morte para a necessidade que as pessoas têm de se preocupar mais com a transcendência do que sobre suas origens. A morte seria a dúvida primeira, restando o início (memória) como ponto sem interesse. Para nós, como de resto para toda a humanidade, a morte é um imperativo, mas o nascer é um privilégio. E nunca nascemos sós. Nascemos com o outro, nascemos para o outro. Daí a importância de se saber sobre o mundo que recebemos.
Outro elemento motivador deste texto, além do Movimento Catrumano e da afirmativa do meu filho, foi o choque que tive quando constatei, na Câmara Municipal, uma fotografia de um administrador local inadvertidamente exposta no período colonial, quando, na verdade, tal sujeito teria iniciado seu mandato em 1891, ou seja, em plena República. O presidente daquela Casa à época, Athos Mameluque (PMDB), que não tinha condições de acompanhar tudo que acontecia naquele local, solicitou sua correção, sob pena de não zelar pela imagem primeira da constituição política da cidade.
Mas vários outros nomes poderiam ser citados para que o cidadão montesclarense pudesse se informar melhor sobre quem ocupa, através de nome, a rua onde mora. Por exemplo. As pessoas que moram naquele condomínio próximo ao INSS sabem quem foi Lírio Brant? Assim como os moradores de uma rua do bairro Melo que leva o mesmo nome desse nosso personagem, sabem de quem se trata. E Pedro Montes Claros? Seu nome está em placa numa rua próxima à Igrejinha do Bom Jesus. Um amigo, Fernando Guimarães, tentou pesquisar na internet e..., eureca, não descobriu nada. A rede mundial não foi ainda abastecida com tais dados.
E Doutor Santos? E Cula Mangabeira? E o líder comunitário Conrado/ Tenho a impressão que nem nomes mais atuais, como o do ex-prefeito Mário Ribeiro da Silveira, que ornamenta boa parte dos nossos prédios, a maioria tem, nem de longe, noção de quem foi.
Dizer que esses homens existiram é chover no molhado. Mas dizer que se tornaram fantasmas para a maioria das pessoas, isso é fato. E aqui não se entra na discussão de Fernando Pessoa sobre fato e argumento, sempre com a vitória do segundo, segundo nosso autor. Mas até para que gere argumentos para que acreditemos serem merecedores ou não dessas homenagens, há de se esclarecer, via livros escolares, aulas e outras atividades, os alunos das primeiras séries sobre essas pessoas.
Alguns colegas, impregnados de certo desprezo pela história factual, podem, tão logo terminem de ler este texto, jogá-lo à fogueira de modo que minha alma, assim como a dos hereges medievais, não sofra tanto quando tiver que acertar as contas com o Criador.
Mas algo eles não podem e não devem negar: O direito de conferir à cidade o mínimo de memória para que, chegado o mês de dezembro, e tendo o governador de Minas presente em Matias Cardoso para a entrega de medalhas alusivas ao Dia dos Gerais, os mais novos saibam que toda essa luta por reconhecimento, brilhantemente liderada, entre outras pessoas, pelo antropólogo João Batista Costa, é fruto de uma história onde todos, fantasmas ou não, encontram-se presente.
(*) Professor e Jornalista