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Sábado,11 de Janeiro

Minha rua

Jornal O Norte
Publicado em 15/10/2010 às 10:28.Atualizado em 15/11/2021 às 06:41.

José Wilson Santos


zewilsonsantos@hotmail.com



A Avenida Hermelinda Sena, na Vila Luiza, onde ergue-se majestoso o chatô do Degas aqui — se é que se pode chamar de majestoso um chatô que espera, há trocentos anos, pelo reboco e a pintura externas –, é na realidade uma ruazinha de terra batida com, no muito, uns 600 metros de extensão, o que não a impede de situar-se em área nobre, nas imediações de terminal rodoviário, shopping center, hospital universitário e faculdade. Talvez o legislador tenha achado a rua pequena para a importância da homenageada, que cedeu-lhe o nome, e resolveu a questão mineiramente, alçando-a à condição de avenida, com o que dona Hermelinda e sua ilustríssima família devem ter ficado muitíssimo satisfeitos, suponho.



Como é de terra batida, minha avenidinha tem gramíneas, também conhecidas como gramas ou relvas, que são plantas floríferas, monocotiledôneas (classe Liliopsida) da família Poaceae, que tem 668 gêneros e 10.035 espécies. Penso que deve ser das poucas ruas do mundo com gramas em sua quase extensão, e um princípio de jardim no meio, com direito a cerca, onde uma vizinha teimosa tenta, com a ocupação, desestimular o uso inadequadamente desagradável que a vizinhança dá à nossa rua, transformada em  depósito de lixo e de entulho.



Gentes com carroças e carrinhos de mão disputam às escondidas, de tempos em tempos, os espaços nos dois extremos, principalmente, para depositar ali sobras das reformas das casas, lixo diverso e até animais mortos, desovados numa lamentável falta de respeito para conosco, para com o direito de termos nossa ruazinha de grama livre de detritos, entulhos e carniças.



Um a zero para o filósofo Dominguinhos, que, entre outras, emplacou a pérola “o que não melhora, pelhora!”. Diz ele ser o homem o único animal que, depois de encontrar fonte de água límpida e saciar a primeira sede, caga o lugar todo. O que têm feito às escondidas, em nossa avendinha, uma das únicas do mundo destituídas de tráfego de veículos, portanto uma belezura para  crianças brincarem em segurança, é uma tremenda cagada.



Nossa graminha luta ferozmente pelo direito à sobrevivência, e duas a três vezes por ano encara as máquinas da Prefeitura, que dão o ar da graça para limpeza pesada, quando a coisa caminha para o insuportável. As máquinas ceifam e a grama, teimosa, nasce novamente. E revigora com qualquer pingo d´água, numa prova irrefutável de que mesmo a forma mais simples de vida tem apego extremo à existência.



Quem também lutou pra dedéu, logo depois de uma dessas limpezas em regra, mas perderam, foram umas florzinhas amarelinhas, lindinhas, lindinhas que surgiram como que por encanto, assim sem mais nem menos, e tornaram nossa avenidinha um colírio para os olhos. Acabaram sufocadas pelo entulho e o lixo, que voltaram ao local, como sempre, na surdina, o que deve ter desanimado o semeador, que nunca mais semeou em nossa rua.



Ah, se eu fosse prefeito!



Se eu fosse prefeito, ajardinava a avenidinha, plantava árvores bacanas e construía ali bancos para que as pessoas pudessem descansar um pouco das suas pressas, num belo e imenso oásis em área nobre. E mudaria-lhe o nome para Jardim Hermelinda Sena, o que certamente agradaria ainda mais à ilustre homenageada, que deve ter sido uma mulher do campo, posto que aquela foi uma área de fazendas. De uma canetada só, garantiria aos moradores e à vizinhança a bênção e o prazer de, mesmo cercados de asfaltos por todos os lados, sentirem o cheiro que a terra exala quando recebe a chuva em seu seio; verem a meninada, hoje refém de máquinas, jogar “finca” como fazíamos há anos, quando praticamente todas as ruas da cidade eram de terra batida; e ouvirem o coachar da sapaiada, lá embaixo, no leito da ferrovia, que tem tendência para brejo.



Se eu fosse prefeito, talvez até tirasse o trem do leito pelo qual serpenteia diariamente, ao lado da Hermelinda Sena, berrando feito um doido, sem respeitar nem a madrugada, horário consagrado ao melhor sono das pessoas, não para dar lugar a autopista, com seus barulhos infernais, mas para gramar e arborizar igualmente, aumentando pacas a área verde naquelas imediações. Minha contribuição para evitar que do jeito que a coisa anda, chegue o dia em que o homem não torne ao pó, mas ao asfalto.



Falei e disse.

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