MINHA PRIMEIRA VEZ

Jornal O Norte
Publicado em 05/06/2010 às 10:24.Atualizado em 15/11/2021 às 06:30.

Alberto Sena


Jornalista



A primeira vez que vi o corpo de um homem assassinado foi há muito tempo, quando Oswaldo Antunes, jornalista dono do “O Jornal de Montes Claros” me chamou à sala dele e disse: “a partir de amanhã, você vai fazer cobertura de polícia”.



Até então eu cobria Esportes em substituição a José Geraldo Gomes. Aceitei o desafio e uma das minhas primeiras matérias foi o assassinato de um homem a facadas.



Não sei se já disse isto aqui, porque eu costumo contar: na cobertura de polícia a gente aprende e apreende um pouco de toda matéria terminada em “gia”: psicologia, sociologia, antropologia, parapsicologia etc. Na prática, para mim, particularmente, foi muito importante.



Dizem que a cobertura jornalística do setor policial equivale a um curso prático de jornalismo. E é mesmo. Os principais jornalistas do país, pelo menos os mais antigos, iniciaram carreira na editoria de Polícia.



Uma coisa importante é sempre buscar os porquês. Quem me ensinou isto foi Wander Piroli, escritor e editor de Polícia, no Jornal Estado de Minas. Ele dava exemplo: “fulano matou? Por quê? Beltrano roubou? Por quê?” Em busca dos porquês se pode saber como vai a alma humana. Mas isto é outra história.



Ia dizendo: a primeira vez que vi um corpo de gente assassinada foi logo depois que um informante ligou da Delegacia de Polícia, ali na Rua Dr. Veloso, para o JMC avisando que um homem havia sido assassinado com mais de dez facadas num lugarejo próximo de Montes Claros. A polícia estava indo ao local e se eu quisesse podia ir junto. Fui.



Lembro-me que a estrada era de terra, mas tanta terra que houve quem cuspisse tijolo depois de beber um copo d’água. Chegamos ao lugar e fomos a casa onde havia começado o assassinato. Vou contar como se deu e deixar todos bem informados para o que virá em seguida.



Uma mulher dera não sei quantos “cruzeiros” ao amante para que ele assassinasse o marido dela. Só assim ela acreditava que os dois poderiam “viver felizes para sempre”. Se é que se pode viver feliz para sempre tendo na consciência o permanente fantasma de alguém.



E aconteceu que, na noite anterior, quando o marido chegou a casa e pediu a mulher para abrir a porta, quem o atendeu não foi ela, mas o amante. Armado de faca tipo peixeira, ali mesmo ele deu a primeira facada no marido traído.



O marido se afastou e tentou se desvencilhar do golpe seguinte, mas o matador foi mais rápido e o esfaqueou pela segunda vez. O homem deu uma meia volta e correu para dentro de um matagal próximo.



O assassino o perseguiu e foi lhe dando facadas nas costas uma atrás da outra até que o marido traído não resistiu mais correr porque perdera muito sangue. Caiu. E do modo que caiu ficou.



Nós saímos da casa àquela altura vazia e fomos seguindo as pistas de sangue. Entramos por dentro do mato, numa distância de uns 200 metros da casa. Deu para se ter uma ideia do que o marido traído passou, correndo do amante, tentando se desvencilhar da faca seguidas vezes.



Dentro do mato, a alguns metros antes de chegarmos próximo de onde jazia o cadáver, já se percebia a presença dele ali estirado, por causa do excesso de sangue coagulado no local e o mato bastante alquebrado. Ficou claro: mesmo esfaqueado o homem lutara contra o amante da mulher.



O cadáver estava de barriga para cima, uma das pernas encolhida e os braços estirados. Rígido, a boca aberta, cheia de formiga saúva.



Os olhos arregalados pareciam de quem morrera sem acreditar: o assassino, amante da própria mulher, era alguém que frequentava a casa dele e se passava por “amigo da família”.



“Mulher paga amante para matar marido”, eis a manchete da página de polícia na edição seguinte.



Foi nessa ocasião que comecei a apreender até onde podia ir a crueldade do ser humano, quando não se tem coração para atribuir real valor à vida, e se relativiza a importância de um ser vivente.


 

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