MEU ENCONTRO COM A INFÂNCIA

Jornal O Norte
Publicado em 15/02/2008 às 15:01.Atualizado em 15/11/2021 às 07:25.

Luiz Carlos Amorim


Escritor e editor –


http://br.geocities.com/prosapoesiaecia


 


O mais recente livro de Urda Alice Klueger, “Encontro com a Infância” é uma seleção de crônicas deliciosas. É uma homenagem a infância não só da autora, mas de todos nós. E eu não pude deixar de lembrar da minha. Sou de Corupá, terra de dezenas de cachoeiras, cidade aos pés da Serra do Mar, perto de Joinville. Vivi toda a minha infânica lá, com excessão de um ano, quando fui estudar em Mafra, ao norte de Santa Catarina, em meados dos anos sessenta.



Não lembro de praticamente nada de antes dos seis, véspera de minha ida para a escola, pois aquela nova aventura era uma incógnita e eu não sabia como seriam as coisas lá. Mas vi que não era o fim do mundo, gostei da escola, fiz amigos e até tirava boas notas. Dentre os amigos que fiz, havia um que eu gostava de visitar, pois a familia dele fazia passas de carambolas e como tanto eu como ele gostávamos das revistinhas Disney – Pato Donald, Mickey, Ze Carioca, Tio Patinhas, sentávamos debaixo das mesas onde as frutas secavam para ler e comer as passas. Por um bom tempo eu pegava a bicicleta de minha mãe, mesmo que não conseguisse pedalar direito e ia para casa daquele amigo para ler gibis e comer carambolas secas.



Por falar na bicicleta, minha mãe fazia biscoitos de araruta com coco e eu levava para assar na padaria, de bicicleta. Eu já era um pouquinho maior, conseguia pedalar, ainda que precisasse ficar de pé. E foi numa dessas viagens à padaria que escorreguei e  fiquei  preso na corrente da bicicleta, ficando sem a pele de uma boa parte de cima do pé esquerdo. Ainda tenho a marca. Foi um dos muitos sustos que dei em minha mãe, ao chegar em casa com o pé ensanguentado.



Além dos gibis, quando não tínhamos dever de casa para fazer e eu não tinha que cuidar de meus irmãos – minha mãe também trabalhava, por isso tinha que ajudar – gostava de ouvir fábulas no rádio. Havia um horário, à tarde, em que uma emissora tocava contos infantis e aquilo era uma coisa mágica, encantada, só suplantado por uma tia contadora de histórias, que infelizmente nos visitava muito pouco, apenas em datas especiais.



Havia algumas árvores frutíferas em nossa casa, como larangeiras, limeiras, abacateiros, goiabeiras, ameixeiras e outras que não lembro. O que lembro é que em “tardes fagueiras” eu subia num abacateiro amigo, sentava num galho e cantava até quase estourar, por pura serenidade, por pura felicidade de ser criança. Uma das canções, que ainda sei de cor, era “Meus oito anos”.



Mas não era só isso. Naquele tempo não havia televisão, vídeo-games, computadores, apenas o rádio e o cinema, de vez em quando. Um domingo ou outro a gente ia na matinê, assistir a um filme de caubói. E isso dava margens à novas brincadeiras, como as de faroeste, imitando os filmes que víamos.



Foi uma infância feliz, abençoada infância. Brincávamos de coisas que hoje algumas crianças nem ouviram falar, como bolinha de gude, petecam bilboquê, etc. E já que mencionei este último brinquedo, na última viagem ao Rio Grande, recentemente, tive uma autêntica volta à infância. Eis que senão quando, ao passear na pracinha de Nova Petrópolis, perto do labirinto, encontrei bilboquês de madeira, numa lojinha de um quiosque. Comprei um, afinal ele é quase o botão de ligar o túnel do tempo, embora hoje meus braços não ajudem muito e posso brincar pouco tempo. Mas ainda acerto.



Aprendi a nadar muito cedo, pois sempre havia um rio por perto – eu disse que minha cidade é a Cidade das Cachoeiras



Gostava de pescar e aprendi até a pegar peixe na toca, com as mãos. Só não aprendi a pescar de tarrafa. Mas isso fica para uma outra infância.



Até os dez ou onze anos, morei num lado da cidade, perto de um rio. Depois mudamos para o centro, perto de outro rio de um lado e perto da estrada de ferro do outro. Isto significa que parte da minha infância e quase toda a adolescência eu passei quase às margens dos trilhos do trem, que naquele tempo ainda tinha passageiros. Viajávamos para Joinville, São Francisco, Mafra, Curitiba, de trem. Andávamos a pé pelos trilhos, para cortar caminho para ir à escola, por exemplo. E para ir até a ponte que ficava mais adiante, para mergulhar no rio lá de cima. Coisa que minha mãe não sabia, é claro.



Como já mencionei, eu tirava boas notas.E foi na escola, nos tempos de ginásio (a segunda parte do primeiro grau de hoje), que fui descobrir que gostava de escrever. O colégio onde estudava participou de um concurso de redações sobre Brasil e Portugal e eu tirei o primeiro lugar da cidade, com recebimento de troféu em solenidade no cinema e tudo. Poucos anos depois, já adolescente, ganhei outro concurso de contos da revista Rainha, que assinávamos, com prêmio em dinheiro, inclusive. Foi um grande incentivo.



Obrigado, Urda, por trazer minha infância de volta. Ela não teve grandes aventuras, mas não posso reclamar. Fui criança, e é o quanto basta.

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