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Sábado,11 de Janeiro

Meu amigo padre - por Mirian Cavalcanti Prado

Jornal O Norte
Publicado em 04/04/2008 às 10:37.Atualizado em 15/11/2021 às 07:29.

Mirian Cavalcanti Prado



Naquele dia o telefone era um ponto de apoio onde eu pudesse conferir a certeza daquela voz. De certa feita a minha atenção se convergia na expectativa de um chamado. Nele, era onde tudo poderia se definir. Mas as horas passavam. O telefone não tocava. E eu percebia-me triste e magoada.



Afeita a ouvir aquela mensagem pelo Dia Internacional da Mulher que não me vinha, tudo conspirava para que aquela data no novo ano quebrasse a rotina de alguns anos.



À luz da intuição, doía-me pensar no indesejável que tão logo, do silêncio pudesse culminar.



Naquele momento indeciso, passava pela minha cabeça um replay enquanto eu pudesse rebuscar no fundo da alma lembranças que me marcaram. Deslindando o imaginário, encontro em suas frases, uma, inerente àquela situação: “Só mesmo a doença me impediria de ligar”.



Na verdade eu estava ciente do seu precário estado de saúde. Mas sabia também da sua considerável melhora. Até então desconhecia a sua brusca recaída que nos causou espécie.



Ainda que não quiséssemos aceitar, a verdade é que a recidiva viera obrigando-nos a amargar junto com ele, a sua dor. Amigos leais buscaram animá-lo confortando-o e encorajando-o a ser forte; mas a ausência física do idolatrado companheiro pungia fortemente. Eu relutava em prescindir o óbvio. Em vão.



Se de um lado eu me rendia às evidências, de outro eu temia sobre a possibilidade de não mais usufruir as suas preces, não deleitar das suas pregações firmes e cadenciadas e ainda de não me ater nunca mais a suas lições de incentivo...



Sucede que, finalmente, ao romper o fio de esperança, meus pensamentos começaram a divagar e a voz que nos daria certeza, não veio. Foi cruel em emudecer deixando desencadear inevitável perda.



Enfim, o sóbrio Padre identificado pelo sobrenome Murta, se coloca na história memorável que, afinal de contas, vale ouro, além de merecer a nossa deferência toda especial. Culto, ungido de Deus, conselheiro e amigo dos amigos, soube congregar sabedoria em todas as nuances. Deixa na recordação ensinamentos profundos, seu caráter elevado que o permitia lutar tenazmente; envolto aos livros e papéis cujo fim era dar o melhor de si. Só alguém como Padre Murta para reunir tantas qualificações.



Quem o conheceu em vida, como eu, de alguma forma quis extravasar o sentimento de amizade que por ele nutria. Lembro-me bem quando de pronto proclamou-se a escrever do próprio punho o prefácio do meu primeiro livro, bem como igualmente se faria a outro que deixou apenas no começo.



Ao pedir-me pressa, eu que valorizava tanto as suas sábias palavras, pequei em me acomodar. Agora, tarde demais, tomei as suas lições como minha prática de vida; e só assim sabendo-a veloz e impiedosa. Ainda saudável, ele parecia não se dar conta da minha indigência literária perante o seu rico potencial. Movido pela sua peculiar simplicidade e gentileza demonstrava interesse em lê-lo “antes da sua ida” como coincidentemente previa.



O sentimento de afeto que nos unia é aquele que caracteriza as verdadeiras amizades: o de estarmos diante de um velho conhecido, com quem podemos ser nós mesmos, e a quem dedicamos nosso afeto sem restrições e sem expectativa de retorno.



Quando o conheci era ainda pequena, mas soube conquistar a sua simpatia, o suficiente para consolidar minha admiração por ele ao longo de seu caminho, marcado a largos passos.



Ele se foi deixando amizades solidamente plantadas; que nem o tempo, nem o afastamento repentino é capaz de dissolver.



E assim a vida passa. Continuemos marchando em direção ao amanhã. Empenhada na luta que prossigo, sigo-me inspirando no seu imorredouro exemplo.

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