Meninos de mim, por Eduardo Lima

Jornal O Norte
Publicado em 27/12/2006 às 12:30.Atualizado em 15/11/2021 às 08:47.

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Costumam dizer - por delicadeza, creio - que aparento ter menos idade; aquela coisa dos 54 com corpinho de 53. Nalguns momentos soa como verdade, mas para me convencer busco explicações, uma vez que meu padrão de vida inclui excessos e desmazelo, noites e copos. Coisa do passado que se marca na gente de modo imponderável; a vida que levamos nos é cobrada nos músculos e nas vísceras. Mas foi ouvindo os sons de Tom, meu pequeno menino é que pude compreender o que me remoça, o que me faz às vezes parecer melhor. 



A vida à minha volta é que me dá ânimo e puxa. Ver menino se ocupar da vida e seus ruídos tem o dom de recriar. Leva-me a ver logo o menino ativo, falando novo, reinventando tudo. Ou até mesmo febril nos tirando às pressas de casa, da cama, para os deveres intransferíveis de pai e mãe. É esta dinâmica que me assegura sobrevida, molha os olhos e unta a pele, faze-a respirar. Um choro de criança, um riso, palavras de estréia, o primeiro passo, a novidade dá-me perceber melhor a vida e a simplicidade dela.



São estes fatos leves que nos furtam rugas, creio, e fixam poucos músculos. É esta matéria dos dias que acalenta a alma arrebatada dos adultos, a alma surrada de desencanto e mágoa. Conto, pois, por mim, que nos meus meninos e em todos os meninos é que não me cesso, não tenho regra ou limite, não durmo no ponto, não me emboto. Força e juventude, sugo das expressões santificadas dos meninos. Não temo futuro ou cicio angústia.



Faço-me, sempre e necessariamente, outro menino, coisa bem dormida e que acorda, de tempos em tempos para a esperança. Ouvindo o meu pequeno Tom ao longe, buscando decifrar a dor de Irina sua irmã, cravada de ciúme incomunicável, eu me redescubro encantado. Do que mais gosto é de nascer, fuçar a vida, buscar caminhos. E crianças são o sinônimo perfeito desta aflição de adulto.



Tudo o que nos mortifica é a apatia, o desencanto, a pasmaceira. Rolar pelo chão, dar-se sem maldades, acudir a ilusão mais moça que nos sopre são gestos de sobreviver, encontrar-se com a vida e suas singelezas, as verdadeiras que permitem viver mais e melhor. Talvez por isso eu pareça mais novo. Eu brinco de pique comigo, com minha história, com as lembranças e com o presente. O presente de fralda e xixi, beijos molhados, sonos de paz e bocas banguelas.



O presente de pequenas quedas e dores, o presente que, de uma hora para outra balbucia a palavra “papai” e me faz chorar, sem medo. Meninos entram em mim e bolem com a parte sem matéria, minha parte ânima, minha parte incansável, a que parece mais jovem do que é e que, se olhada com desmazelo, tem a virtude mesma da verdade.



 

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