Raphael Reys *
A loura era um mulherão sensual, uma potranca, estilo Ivete Sangalo, verdadeira capa de revista. Uma modelo de encher os olhos e dar água na boca. Fora contratada por Afrânio, para promover na sua boate um show inaugural de strip-tease. Viera de Belo Horizonte, onde se exibia como atração maior na antiga boate Sagitarius.
O sistema composto por empresários da noite promoveu um jantar reservado e bastante concorrido, para homenageá-la e para se entrosarem com ela, com o objetivo de, por seu intermédio e conhecimento, contatar novas modelos, para o mercado local.
Naquela noite, a casa estava lotada. Convidaram-na para que ela praticasse uma terapia campesina passando uns dias a descansar na terra de Figueira, tudo por conta dos anfitriões. E para que fosse feita a escolha do seu cicerone, estavam presentes os Don Juan, os galãs, os garanhões dos anos 70. O monumento de mulher, expressão máxima da criação humana, estava sentado no centro do salão como a rainha do pedaço. Iria apontar o sortudo.
Não me encontrava ali para tal mister, circulava pelo ambiente como um amigo da casa, e com passagem livre na noite e que, tomando o meu Chivas, fora para aplaudir, e morrer de inveja do ganhão. Ela, apontando para mim, disse:
- Quero aquele gato de camisa de seda que parece Jean Paulo Belmondo. Só fico se ele aceitar!
Foi o maior corre-corre!
Rogaram que eu aparasse o cavaco representando a estirpe máscula dos montesclarinos. Era o dia da caça. Dia de a guerreira amazona escolher a vítima. Era o meu tempo de glória! Hora de fazer valer a drummoniana semântica libidinosa de homem da roça aliada à mística romântica dos currais e dos comedores de pequi.
Quarta-feira, 10h, após três dias de paixão, regrados a Jack Daniel, tudo à mão, na suíte de João Comodoro velho e, como o telefone não funcionou para chamarmos um táxi, fui apanhar o lotação num ponto em frente à entrada da Cowan, na avenida. Descemos escorregando pela escada irregular cavada no barranco da casa de Zinha, indo parar, suados, sob as vistas do Zé Amorim, cuja mesa de gerente ficava na sala de entrada do prédio. Em posição frontal aos dois pombinhos de olhos inchados.
O nosso Zé, por sobre os óculos, a tudo já reparara! Uma loura daquelas àquela hora do dia, com o sol a pino, trajando vestido de noite, negro transparente, despertava suspeita.
Entramos sala adentro e pedimos a ele, que já nos recebera em pé, para tomarmos água gelada no bebedouro. Amorim, cavalheiro e formal como sempre, e supondo se tratar a visitante de uma dama em visita à city, mandou trazer e serviu com toda ênfase água gelada e cafezinho numa bandeja de prata 20.
Informado de que iríamos para o centro, Zé Amorim prontamente se dispôs a que o motorista nos conduzisse no carro da empresa, já que o ônibus costumeiramente demoraria, como observou elegantemente. Com toda finesse nos acompanhou até à porta.
Ao embarcarmos, Zé chamou Wanderley e mostrou-lhe a cena dizendo:
- Veja que senhora maravilhosa, Wanderley, e de braço dado com aquele animal horroroso.
Conhecedor da noite, Wanderley respondeu:
- Aquilo não é uma senhora não, Zé, é uma dançarina que veio de BH, para ensinar as mariposas de Montes Claros a dançarem peladas.
No dia seguinte, às 08h, chamaram-me à porta do meu escritório na Rua Visconde de Ouro Preto, ao lado do hotel do Salvador. Era o Zé Amorim e o Wanderley, que me convidavam para tomar um cafezinho na lanchonete do Tonin. Ao ver-me, o Zé sentenciou:
- Cabloco! Você e aquela mariposa pelada tomaram café e água gelada servidos na bandeja de prata, dentro do meu gabinete! O dia que Walduk for eleito presidente da República e me nomear ministro da Justiça, cidadão irresponsável do seu naipe será executado em praça pública, com seis disparos de trinta e oito, no centro da caixa torácica! Pá... Pá... Pá... Pá... Pá...Pá... Eu mesmo levarei a cabo a sua liquidação, como exemplo para o mundo!
Foi uma gargalhada geral.
* Cronista