Ronaldo Duran (*)
_ “Anda. Levanta! Está na hora”, é a mãe que mexe com a filha na cama, “fica vendo filme até tarde. É nisso que dá”.
_ “Tá... Tô indo”, a menina tentava livrar-se do sono em mais uma manhã em realengo.
Noutra casa, o professor estava de pé desde as seis horas. Vinte anos antes, quando começou a lecionar, levantar cedo também seria um parto.
Em Sepetiba, longe dali, um rapaz igualmente ia despertando. Embora tenha dormindo três horas nesta noite, nada nele aparentava o cansaço de uma noite mal dormida. Ao redor, uma bagunça, coisas quebradas propositalmente para dificultar investigações futuras somando à típica desordem de um jovem solteiro. De Sepetiba a Realengo demoraria um bocado. Carregando a mochila suspeita, apressou-se.
No portão da escola, filas de carros e pedestres misturavam-se. Abriam-se portas dos veículos, e saiam alunos carregando mochilas, estas sim com material escolar. Eram pais que estariam indo para o trabalho, deixando antes os pimpolhos para mais um dia de aula. Os jovenzinhos, os que se incomodavam em ter os pais a tiracolo - para não sofrer assédio moral dos amigos, tipo, ah, filhinho da mamãe - vinham caminhando em dupla ou em grupo.
O estridente sinal da escola soou. Sete horas. Todos correndo para o pátio. Mesmos os morosos iam sendo empurrados fosse pelo inspetor ou por colegas mais aplicados.
O professor na sala de aula. “Eh professor! Bom dia primeiro. A gente mal encontrou e o senhor está enchendo a lousa”, dizia um. “Um ótimo dia para você também. Só estou adiantando...”, respondeu sorridente para quebrar o gelo do início da aula.
Tinha oitava série difícil. Alunos respondões, algazarra. Esta, segundo a opinião do professor, valia a pena dar aula. Não que fossem anjinhos, tinha lá os dias de cão, de tirar até ele do sério. Porém, gostava inclusive dos alunos atentados do fundão. Embora fofocas sobre quem ficou com quem, da tinta no cabelo, das unhas com desenhos, e supercílios negros se imiscuíssem com o conteúdo da ciência, as meninas nas primeiras carteiras reforçavam o prazer que o mestre tem quando nota que a turma dá atenção para suas explicações.
Dois meninos atrasados notam o rapaz carregando a mochila suspeita. Instintivamente estranharam tanto o cara como a mochila. Mas adentraram na sala à direita, enquanto o cara entra à esquerda.
_ “Isso são horas”, o professor chamou atenção. Ainda sob a bronca do mestre, o primeiro ia pro fundão, enquanto o outro que estava na porta de repente gritou desesperado. “É tiro. Estão atirando, estão atirando”.
Embora acostumado às palhaçadas de alunos, desta vez o professor não hesitou. Agiu rápido, correndo para a porta e segurando-a. “Rápido, tragam cadeiras, rápido”, a turma do fundão se mobilizou. Juntaram em poucos segundos quase todas as mesas e cadeiras bloqueando a porta. “Deitem no chão, rápido, todos, todos para o chão...”, ordenava o mestre.
O atirador procurou forçar a porta. Por fim desistiu.
O caos se instalou. Um massacre promovido pelo ex-aluno da escola. Os pais lamentando. Filhos brutalmente feridos ou assassinados. Seria possível ter evitado a tragédia? Talvez investido em segurança para se detectar armas logo na entrada da escola? Contar com atendimento psicológico para alunos a fim de tratar abusos sofridos e prevenir distúrbios? Quem sabe ajudaria se esse jovem tivesse tido família mais atenta aos indícios que ele emitia, da solidão que vivia?
Estas são perguntas que brotam a procura de respostas desesperadas que pudessem ter servido para evitar a tragédia. A dor da perda é irreparável para o pai que teve a vida de sua criança ceifada.
Espera-se que pais, professores e governo promovam a prevenção na escola, para que a criança de hoje - que se vê atormentada por coleguinhas ou por problemas psicológicos - não cause outra tragédia amanhã quando adulto.
(*) escritor, colabora neste espaço.twitter.com/ronaldo_duran