Adilson Cardoso
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O nome de Marcos estava naquela lista dos demitidos, após doar seu suor por longos anos, acordando de madrugada, correndo atrás daquele ônibus enquanto os cachorros desembestados, fuçadores de latas de lixo, corriam atrás dele. Vou confessar que esse nome de Marcos é fictício, apesar de o próprio ter me procurado para contar sua decepção. Disse que, por necessidade de saudar suas dívidas com a loja de eletrodomésticos, que lhe cobra as prestações em atraso de um aparelho de DVD que comprou para a sogra, me processaria se não lhe maquiasse a graça.
Marcos é machista, fala em dar porrada e sorri pouco, dizendo que quem ri demais é boiola. Fala com orgulho e bate no peito que é macho até debaixo d’água. Que no seu bairro é temido por todo mundo. Pediu que desse bastante ênfase a isto.
Certo dia, ao sair furioso da Caixa Econômica Federal, por não ter conseguido sacar o seguro desemprego, encontrou uma senhora pedindo esmolas com uma criança nos braços. Respirou fundo e seguiu, já que no bolso tinha apenas a carteira profissional e a chave da bicicleta que estava sem freios, por não ter dinheiro para um cabo de aço.
Um pouco mais à frente um senhor da terceira idade expondo a perna direita com uma ferida purulenta rodeada de mosquitos, com a mão estendida, queria uns trocados. Novamente Marcos respira fundo e vai imaginando que, se tivesse uns trocados, tomaria uma cachaça para esquecer os motivos que o impediram de sacar seu direito de trabalhador demitido.
Quando chegou ao local onde a bicicleta estava trancada, um ladrão terminara de quebrar o cadeado e pedalar loucamente, fugindo do flagrante. Marcos, correndo atrás do larápio e gritando pega ladrão, mobilizou os olhares em todos os arredores da Praça Dr. Carlos. O ladrão pegou sentido à Rua Rui Barbosa e foi parado no cruzamento com a Coronel Joaquim Costa, atropelado por um mototaxista que, por coincidência, levava Eva, sua noiva, linda e cheirosa, que usava cintas-liga preta e uma calcinha fio dental, que foi vista por todos no tombo que levou da moto.
Marcos já desconfiava do tal mototaxista, pois Eva dava sempre preferência aos seus serviços. Comentários surgiam, Marcos fingia não escutar, agrados caros como relógios, anéis, vestidos, mas o que ele mais estranhava eram as calcinhas que o motoqueiro dava para sua noiva. Machão, querendo ser pacífico para se casar com a amada, dizia apenas que era de muito bom gosto os coraçõezinhos, os enfeites de penugem, até aquelas com zíper abaixo da linha do Equador, a última era politizada, trazendo uma frase da ministra petista Marta Suplicy - Relaxa e goza.
Nos botecos, ele dizia que não havia arrebentado o presenteador ainda porque a noiva detestava violência, repetindo sempre que quem dá um grito dá um tiro, quem desconfia dos outros é porque tem culpa também, e o amor era muito grande para confrontar.
Assim, ia relevando. Mas naquele instante em que Eva deu dois rolamentos involuntários mostrando as intimidades sob as rendas bem costuradas, e aquela cartela de preservativos caindo da bolsa, ninguém segurou o homem. Esqueceu o ladrão que já havia desaparecido e a bicicleta com o guidão retorcido no chão. Nada mais interessava ao possuído noivo de Eva, senão chegar mais perto daquela que, no momento, era a atração dos fios fios. O mototaxista fingiu que estava desmaiado e rezou baixinho se despedindo da vida, pois naquele instante achou que o noivo da moça lhe daria nem que fosse uma dentada na jugular, para que a hemorragia lhe dizimasse a vida.
O Samu chegou rápido e em poucos segundos Eva estava imobilizada na maca. Marcos, ao lado dela, olhava com rispidez para suas coxas embrulhadas nas tramas da cinta-liga, e seus seios fartos insinuantes sob a mini-blusa... Temendo o pior, ela clamou pelo amor de Deus que a perdoasse. Marcos respirou fundo pela terceira vez, desta com um suspiro tão profundo que lembrou um touro enfurecido na frente de um lenço vermelho. Falou com a voz trêmula de explícito ódio:
- Perdoar você?! Nem no sonho. Você preencheu os papéis do seguro-desemprego tudo errado! Agora tô sem nem um centavo no bolso.
E concluiu:
- A pior desgraça do mundo é confiar em mulher, não quero favor nenhum mais, meus papéis pode deixar que eu preencho sozinho.