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Leitura sem censura - Ricardo Maciel, capanga de Lampião - por Adilson Cardoso

Jornal O Norte
Publicado em 26/02/2008 às 10:00.Atualizado em 15/11/2021 às 07:26.

Adilson Cardoso



Filho de Joaquim Aprígio e neto de Antônio Vicente Mendes Maciel, o Antônio Conselheiro, e de Joana Imaginária, escultora em cerâmica e madeira.  Ricardo Maciel nasceu no ano de 1899, na localidade de Quixeramobim, uma pequena vila no Sertão do Ceará, onde nascera seu ídolo avô, em 1830.



Ricardo, conforme relata o historiador e doutor em Antropologia pela Universidade do Ceará, Fernando Brito, começou muito cedo seu interesse pelo passado da sua família, coletando tudo que podia sobre a vida do avô conselheiro. Um fato que, segundo o professor, mexeu bastante com Ricardo Maciel foi saber como morreu seu tataravô paterno Miguel Carlos Maciel, estraçalhado pelas balas da família Araújo, por ter reagido verbalmente a uma acusação de roubo de terra.



Os Araújo eram coronéis abastados contrários dos Maciel. Assim misturado àquela adversidade do sertão e falta de perspectiva, e o constante massacre dos pequenos donos de propriedades pelos grileiros, foi revoltando Ricardo até o dia em que conheceu Maria da Consolação de Jesus, filha caçula de uma numerosa família de dez irmãos que, nos seus adolescentes quinze anos, era uma mulher completa de luta e de corpo, mulata de lábios carnudos, o que lhe rendeu a alcunha de Maria Bicuda, denominação que a tirava do sério.



Dizem que, certa vez, dera um tiro em direção a uma turma de peões por lhe fazerem uma chacota, sempre ajudando o pai no pequeno comércio. Reclamava da situação de alguns que passavam fome, enquanto outros viviam esbanjando, o pai religioso e crente na predestinação de quem tem é porque Deus quer, e quem não tem é pelo mesmo motivo. Andava ralhando com a filha.



A pedagoga e historiadora da UFMG Maria do Carmo Rocha, no seu artigo Ricardo e Maria Bicuda, fala da lapada no lombo que a moça levara do pai ao ofender um coronel da região conhecido pela suas influências com as pessoas da lei, para maltratar seus empregados.



Ricardo e Maria Bicuda foram se afeiçoando nas conversas, falavam de justiça social, de socialismo e até de luta armada. Nessa época, rondava as cercanias o espectro de um tal Virgulino Ferreira, o Lampião, que por sinal era ídolo deles. Após algum tempo de fugas para trocarem olhares e pegadas nas mãos atrás da igreja de Nossa Senhora do Carmo, decidiram que iriam tornar-se cangaceiros, entrariam para o bando de Lampião.



A sorte parecia estar jogando a favor dos dois aventureiros sonhadores, nessa época a Coluna Prestes fazia sua marcha, e o governo do Ceará havia paramentado o cangaceiro, para enfrentar a Coluna e acabar com as intenções dos revoltosos. No dia 06 de março de 1920, Lampião e seu bando adentram a paupérrima vila de Quixeramobim. Recebido com honras de chefe de estado, Virgulino se hospedou no casebre do coronel Gilberto Mendes Brant, o prefeito do lugar.



O povo se aglomerava embaixo da janela e o cangaceiro jogava moedas lá de cima. O irmão de Lampião, que era um dos cabeças do bando, foi até o comércio do pai de Maria Bicuda para comprar cachaça e rapadura. A moça tratou de escrever um bilhete e, sem a vista do pai, colocou dentro da sacola da rapadura. O cangaceiro, semi-analfabeto mas que lia um pouco, mais tarde comentou com o chefe Lampião a intenção do casal de entrar para o bando.



Ricardo foi levado à presença do rei do cangaço pelo capanga Nuvuero. Ao tentar abaixar-se para amarrar a botina de sola, levou uma futucada que as orelhas saíram fumaça. Na presença do cangaceiro-chefe, Ricardo rezava baixinho para não tremer nem fazer necessidades nas calças, pois, se isto acontecesse, além de perder a chance de entrar no bando, também morreria por desacato. Porém, Ricardo, por ser muito bom articulador e gostar de declamar poesia, arriscou um verso para Lampião, sem saber que este também se metia a poeta. Foram quatro horas de papo poético, com poesia de cordel e cachaça.



No dia 28 de março de 1920, o bando deixa a vila e se embrenha na caatinga, com dois cangaceiros a mais: Maria Bicuda, que não teve mais como desgostar do apelido, pois assim o capitão Virgulino resolveu chamá-la, e o desengonçado magrela do joelho grande Ricardo Maciel, apelidado pelo cangaceiro de Salsicha. Os pais de Maria apenas acenaram com a mão vendo a filha pela última vez sem poderem nada fazer.



Salsicha cresceu bastante no conceito e afeição de Virgulino, tanto, que após a saída do capitão Corisco, este ganhou o posto de sub-comando, com poderes para dar ordens na ausência do capitão. Maria Bonita começou a sentir ciúmes de Maria Bicuda, pois Lampião elogiava muito a nova cangaceira pela sua inteligência e coragem, porém, os ciúmes não impediram que as duas tornassem quase irmãs na amizade.



Em 1936, dois anos antes da morte de Lampião, na cidade de Juazeiro, ele dá uma entrevista e fala sobre seus melhores homens, dizendo não querer causar melindres nos outros, mas nomeou desta forma: Luiz Pedro, Juriti, Xumbinho, Nuvuero, Lambari, Jurema e Vicente. O Estado Maior era Ricardo Salsicha, Antônio Ferreira e Sabino Gomes.



No dia 28 de julho de 1938, na fazenda Angico, em Sergipe, a volante do tenente Bezerra metralha o bando de Lampião enquanto dormia. Dos cangaceiros que conseguem fugir, em número de onze, estão Ricardo Maciel, o Salsicha, e sua esposa Maria Bicuda. Com a desilusão, Maria começa a beber demasiadamente e, em 1941, morre de cirrose hepática. Salsicha ainda tentou vingar a morte do capitão Virgulino, matando todos os policiais que cruzavam as caatingas de Angicos. Em 1942, foi morto em combate pela volante do tenente Valdecir Coutinho. Magro e desnutrido, foi castrado e decapitado; no seu bolso havia um verso à sua amada escrito em um pequeno papel amassado.



Foi pipocada feito pé de barriguda/Adeus Maria Bicuda.



Tais versos foram usados pelo teatrólogo Ariano Suassuna, autor de O auto da compadecida, na peça Os cangaços interiores.

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