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Sábado,11 de Janeiro

Leitura sem censura - O Bar do Lula - por Adilson Cardoso

Jornal O Norte
Publicado em 20/03/2008 às 10:54.Atualizado em 15/11/2021 às 07:28.

No pé da barriga de dona Cula Mangabeira está o calor da política que acontece nas entranhas desta terra verde e amarela. No bar do Lula, a ideologia ainda sustenta a esperança da nossa gente, que vive marionetizada pelo sistema. Lá, Ernane faz questão de dizer, em tom de esquerda, como se fazer a justiça social neste país, melhorar a distribuição de renda e acabar com o latifúndio. Com sua barba escapulindo queixo abaixo, é fã incondicional do revolucionário argentino Ernesto Che Guevara e do líder cubano Fidel Castro, que renunciou ao cargo após 49 anos no governo.



Ao seu lado na direção do bar, Ernane conta com seu irmão Nestor, teórico e demonstrando grande poder de paciência, às vezes serve como mediador quando o irmão perambula pelo radicalismo ideológico.



Uma das grandes virtudes do local é a democracia. Ainda que sejam declarados esquerdistas, os proprietários abrem o leque das discussões a todas as tendências partidárias. O respeito ao ponto de vista adverso faz com que o bar do Lula seja fielmente visitado pelos mesmos freqüentadores há mais de 20 anos, conforme revelam. Mas se um neófito é daqueles que contrariam o pensamento de Bertold Brechet e não gosta de política, os irmãos mudam a prosa e vão para o futebol. Torcedores do Santos da Vila Belmiro, acompanham os campeonatos de todos os estados e fazem das paredes do estabelecimento uma grande tabela, fotos de jogadores escudos e probabilidades na matemática de boteco.



Ernane e Nestor são baianos e, como bons filhos da terra de Castro Alves, também agregam a poesia, juntando ao aconchego dos contos de Jorge Amado. Assim, o bar do Lula é aonde vão Adilson Cardoso, Kojac, Miguel Angel, Kardec, Ricardo Salsicha, Eduardo Brasil, Lipa Xavier, Rosemberg, João Avelino, Hilário Bispo, Sued Botelho, Edmar Alves, Ângelo Domingos e uma gama de outros personagens que gostam de beber em debate. 



Porém, o horário de baixar as portas é sagrado: às 20 horas em ponto fecha, não adianta usar a Constituição para pedir emenda, a política para tentar um acordo ou o futebol para uma prorrogação, horário é horário, reforça Ernane.



Montes Claros começa a inflamar na corrida para eleger o novo chefe do executivo e para a reformulação do legislativo, ou o continuísmo, se o povo assim desejar.  Elton Cabeção, que não entende nada de política quando está sóbrio, mas quando toma dois quartos de cachaça tenta entrar na discussão até sobre Obama e Hillary nas prévias americanas, chega dizendo que neste ano não vota em ninguém, e repete duas vezes que não vota, ao ser indagado pelo seu anarquismo repentino. Diz que fora levado a um curandeiro que passava temporada em Moc, aquele que operava inúmeros milagres no panfleto distribuído na Praça Dr. Carlos, para ser curado da cachaça.



Ao chegar lá pagou adiantado, tomou uns goles de um remédio amargo que o fez lembrar da pinga com carquejo, em seguida tomou umas ramadas de guiné no lombo que, de acordo com Cabeção, só não apelou porque a pessoa que o levou lhe torcia os dedos. No final da sessão, o curandeiro disse a Elton que se ele pagasse mais 50 reais lhe revelaria uma tragédia que iria acontecer na política de Montes Claros. Cabeção não tinha o dinheiro, mas deixou o celular Motorola (tijolão) com dois reais de crédito como pagamento, para ouvir a bombástica revelação. Nesse momento o bar do Lula silenciou-se e o moço desatou a voz:



- Uma nave espacial vai chegar na prefeitura após as eleições e emitir um raio ultra-violeta para sugar o prefeito e grande parte dos vereadores eleitos. No interior da nave vai ter uma porção de títulos para os vereadores assinarem, presenteando muitos extraterrestres durante três anos. Serão títulos de tudo, de simples marciano até de o cometa mais rápido do sistema solar, o meteoro mais explosivo também será congratulado, enquanto o povo terá que esperar sem obras e sem assistência, no ultimo ano a nave os trará de volta e o que der tempo será feito. 



- Mas, e o prefeito? - pergunta Kojac.



Cabeção, com os olhos cheios d’água, fala olhando para fora, a fileira de carros aguardando a abertura do semáforo:



- O prefeito ficará adormecido durante três anos, mas no último ano ele fará asfalto na cidade.



Ninguém conteve o riso; até quem comia pastel de carne moída riu cuspindo o recheio à distância. Nestor interrompeu a gargalhada e disse  em tom de zombaria:



- Você precisou dar um celular para saber disto?! Onde é que você estava nestes quatro anos?

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