Leitura sem censura: Escondam as crianças! O Big Brother está chegando - por Adilson Cardoso

Jornal O Norte
Publicado em 03/01/2008 às 15:24.Atualizado em 15/11/2021 às 07:21.

Adilson Cardoso



Se não bastasse a maldição da miséria fomentada pela grande exclusão que existe em nosso meio, ainda temos que nos submeter às ações persuasivas da rede Globo, engolindo seus programas psicologicamente trabalhados na nossa permissiva humildade. O programa Big Brother Brasil, que daqui a poucos dias estréia sua oitava edição, vem invadindo os lares inermes desta pátria amada e ditando sua cultura.



Na sua magnífica e saudosa passagem por Montes Claros, Frei Beto deixou sua clara posição sobre o reality show, dizendo que se trata de uma imbecilização paga, de um programa do qual nada se pode tirar de proveito na questão do conhecimento. Disse com sabedoria e olhar de educador, pois o faturamento é altíssimo e a Globo, em nome de milhões, transforma um intelectual apresentador, pesquisador de Guimarães Rosa, em um mediador de picuinhas, algoz que em determinados momentos. Usa sua guilhotina sem mudar a expressão de sua cara maquiada. O preço de cada ligação é de mais ou menos 15 centavos, o que daria cerca de 48 milhões de reais só em paredões, fora pacotes vendidos e as propagandas no horário. Gastam-se em torno de três milhões, incluindo a premiação de um milhão e o resto é só lucro. De acordo com o antropólogo Walmer Goldfing, são números inaceitáveis pela condição de pobreza que algumas regiões sustentam, já que culturalmente não há um retorno desse montante.



Penso na questão da igualdade entre os participantes, já que é um concurso aberto: por que será que apenas um homossexual assumido participou até hoje? E quanto aos negros, essa baixa participação se deve à falta de atributos ou à falta de vontade de quem dirige a tal nave louca? Se for competência, pelo menos a mim causa certo ceticismo, já que alguns integrantes só aprenderam a conversar depois da fama e, creio eu, com muitas sessões de fonoaudiologia. O certo é que durante essas intermináveis semanas, o voyeurismo e a escopofilia dividem as opiniões. O buraco da fechadura está sempre ocupado com alguém que não dorme por saber que lá dentro há sempre um calor a mais, para justificar tantos banhos e trocas de peças íntimas.



As revistas masculinas se deliciam com o Big Brother. Antes mesmo de olharem para os rostos das novas moradoras da casa, passeiam suas vistas pelos decotes e curvas com muita paciência, até a hora da inevitável nudez. Acompanhado dos mesmos discursos das belas ex-confinadas, de que só aceitaram pela qualidade do trabalho e profissionalismo da revista. E nós, meros mortais, agradecemos.



Em pesquisa feita em certa época, durante o programa, levantou-se que a audiência ficava por conta das donas de casa e o público que necessita de um entretenimento leve ao chegar do trabalho. Porém, depois de algum tempo, vimos uma diversificação nessas pessoas, o que é preocupante, pois a falta de crítica sobre o que é interessante ao nosso aprendizado nos leva ao senso comum, nos fazendo massas de manobra.



O Big Brother não traz em si nada capaz de mudar o rumo da nossa política, muito menos discute a economia, sem contar a educação, que é nossa causa maior. O que se vê são festas nos moldes  raves, onde os prisioneiros concordantes se embriagam e dão início ao ritual da perseguição. Quem estiver mais próximo e se identificar melhor vai dormir sob os edredons, aguçando a imaginação do ingênuo telespectador. Vão ficando e, no outro dia, um bando de sonilóquios interrompem suas jornadas e comentam, nas páginas destinadas a esse ofício, que vão nascendo as previsões.



No Brasil, de acordo com dados oficiais, lemos menos de um livro por ano, nossa sabedoria está no lixo. Lá encontramos livros de todas as épocas, literários e didáticos, muitas vezes sem que o antigo dono tenha tido o prazer de absorver as delícias ali contidas.



O fenômeno Big Brother é o retrato fiel da nossa aldeia global agora falando de universo. A disputa faz parte da corrida do ouro e o vazio é a chibatada aceita no lombo do povo.



Compartilhar
Logotipo O NorteLogotipo O Norte
E-MAIL:jornalismo@onorte.net
ENDEREÇO:Rua Justino CâmaraCentro - Montes Claros - MGCEP: 39400-010
O Norte© Copyright 2025Todos os direitos reservados.
Distribuído por
Publicado no
Desenvolvido por