Leitura sem censura - Elucubrações de um comunista - por Adilson Cardoso

Jornal O Norte
Publicado em 27/03/2008 às 18:40.Atualizado em 15/11/2021 às 07:28.

Adilson Cardoso



Tinha um cheiro de incenso embriagando meu olfato, uma espécie de asas criou-se na minha vontade, mas meus pés queriam sentir o chão. Andei sem esperanças de chegar a lugar nenhum, pois o desejo era apenas de ir. Carros exaltados ainda na inocência da manhã, com bandeiras do Clube Atlético Mineiro voando pelas janelas e o hino em altos decibéis.



Olhei  para o campo do Juventus e não havia futebol, na esquina não estava o vendedor de cebolinhas, não era domingo. Lembrei-me que o eterno rival do Cruzeiro fazia cem anos, pouco à frente pessoas bebem tranqüilamente embaixo das árvores no calçadão do Parque das Mangueiras, que já foi João Botelho, alguns homens e uma mulher, uma garrafa pet esverdeada e muito riso.



O ônibus vinte e dois passou lotado, levando a todos os destinos os passageiros ali espremidos, uns infelizes vão trabalhar honestamente em seus ofícios, que não lhes dão  prazer. A exceção vem da bela garota de óculos escuros que faz programa durante o dia para pagar a faculdade à noite, seu prazer é gritante.



Fechei os olhos e fui seguindo, cruzando ruas e ouvindo vozes, o céu com o sol pálido movimenta minha sombra aos meus passos, estava longe de onde estive. O celular toca e alguém que gosto me convida para tomar um campari, enfio as mãos no bolso e tenho apenas papéis de bala que guardo para jogar no lixo, na carteira a oração do santo das causas impossíveis tem dezenas de cópias. 



Fico sem voz e me surpreendo, o convidado sou eu, hoje não pago nada. As mesas estão postas e fotos minhas estão na parede. O PCdoB faz oitenta e seis anos, ao longo desta data de divergências e convergências é o grande herói da resistência. Encurralado pela progressão maléfica do capitalismo, precisou ceder seus espaços e fazer alianças para manter-se na representação do povo que ainda sonha. Abraço meu amigo Lipa Xavier, a voz de comando da câmara municipal, que não se sujeitou à prepotência do executivo e se pôs ao dispor da luta vermelha. 



Minha amiga Cida, ex-presidente do SIEESS, meu amigo Waldomiro Maciel e uma série de outros que cantam como o Barão Vermelho:



- Estamos meu bem por um triz, pro dia nascer feliz...



A felicidade que não é individual, aquela que o coletivo participa sem dentaduras postiças e sorri sem vergonha de dar cãibras no maxilar. Na banca de revistas da Praça da Matriz, Eduardo reclama a derrota do Vasco para o Fluminense, enquanto lavadores de carro aguardam sentados em meios-fios. Respiro fundo e sinto o frescor que vem além das paredes em volta. Volto a mim.

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