Adilson Cardoso
adilson.airon@mail.com
Quando chegou a "Maiada das Cagateiras", acompanhada do marido que havia apenas dois dias de matrimônio confirmado, Dona Maria José Mendes, ou simplesmente Dona Zezé, como todos a conhecem, se viu no desespero do ermo, pois acabara de deixar Bocaiúva dos anos 30, com seu conforto peculiar, do seio da família, para aquela até então inóspita aventura, no meio de um mato fechado com apenas um trilheiro, que não passavam duas pessoas emparelhadas. Veio a pedido do senhor Énéas Mineiro de Souza, um explorador dos sertões de lá das bandas de São João do Carirí, na Paraíba. Homem que, segundo Dona Zezé, rasgou a caatinga quase que a unha, para impor o progresso, este que para ele precisava de educação. Aí, começa a saga da primeira professora deste lugar que, após ser Maiada das Cagaiteiras, denominou-se fazenda Burarama, depois Burarama de Minas, até chegar a Capitão Enéas, em homenagem ao fundador, em 1965.
Dona Zezé fala de voz consciente e com uma lucidez digna de quem não se entrega ao tempo cronológico, com medo do por vir. No auge dos seus 84 anos, se orgulha de ter vivido tudo que viveu, das precárias condições do inicio até as farturas que a sua luta lhe proporcionou depois. Ao relembrar a primeira escola de nome Marechal Deodoro da Fonseca, cita nomes de pessoas que tanto contribuíram, porém hoje não se encontram mais em nossos meios. Sem falsa modéstia, ela diz que foi uma professora diferenciada, que os alunos por mais inquietos que fossem, ao chegar à sua sala se comportavam. Outras professoras a indagavam sobre o método que ela usava para mantê-los em tanta ordem. A a eterna mestra apenas respondia que não existia segredo. Era a forma de conversar que fazia a diferença. Desta maneira, também conduziu sua vida pessoal. Mãe de apenas uma filha biológica, teve mais cinco por adoção, criou todos até o dia de sair para casar, conforme relata. A ultima ainda mora com ela, acompanhada de um bebê de dois meses, que amplia-lhe o maternalismo, fazendo recordar os tempos das lições em que pegava na mão do aluno para guiá-lo sobre as letras. Toda a evolução sofrida por Capitão Enéas durante esse tempo, faz Dona Zezé orgulhar-se ainda mais da sua missão, como educadora. É imensurável o carinho dos moradores do lugar com a primeira professora, uma referência que vai além da avenidas longas da cidade, está no coração e na memória dos que se mudaram para outros distantes lugares. Dona Geni, que trabalhou dezoito anos com o Capitão Enéas de Souza, fazendo sua comida predileta, não esconde que o patrão elogiava emocionadamente a garra e dedicação da professora. Dona Maria José diz que é rica e não poupa superlativos para a ênfase, rica de conhecimento, de fé na vida e satisfação de dever cumprido. É saudosa quando fala do Trem que não traz mais as pessoas para comercializar suas coisas na cidade, não ouve o barulho da alegria que silenciou há mais de uma década. E a terra que recebeu o Capitão, que chegou sonhador descansando na sombra de um pé de Tingui, não tem mais a capoeira de Araçá, mas tem as histórias do dia em que um apagão, numa noite tenebrosa, fez o céu se abrir e um bando de cruzes negras aparecerem lá em cima como um imenso cemitério, sobre as cabeças, conforme Dona Beatriz rezadeira, ainda tem as luzes que sobrevoavam o Sapé, nos rumos da antiga moradia do Capitão e, segundo Messias que nos contou acompanhado de um notável odor de aguardente, a luz para em cima do Cemitério e some. É também a terra de Dona Marrinha, que conheceu de perto o lendário Chico Belém, Homem que segundo ela era de boa prosa e muito amigo do seu avô, gostava de dar presentes às pessoas que prezava, mas ao mesmo tempo era um mulherengo inveterado. Se olhasse para uma mulher que fosse do seu agrado, não importava seu estado civil: tinha que ser dele e os maridos não tinham coragem de enfrentá-lo. Ou fugiam, ou entregava a mulher. Chico Belém, ainda conforme Dona Marrinha, que beira os noventa anos, perseguiu uma enteada sua desde antes dos dezoito anos, a queria e não deixava que ela saísse nem no terreiro. O irmão Eugênio tratou de defendê-la e, com a ajuda do Capitão Enéas, conseguiram que o jagunço Paraíba armasse uma emboscada e desse um tiro mortal no velho de pele escura, magrela, que amedrontava a própria família. Após seu corpo ser sepultado no seu próprio terreno, o que veio depois disto foi uma das piores secas que a região já presenciou. Algumas pessoas pensando ser maldição do Chico Belém, exumaram-no e o jogaram numa loca de pedras, o que coincidentemente trouxe a chuva de volta, o corpo cadavérico de fisionomias intactas foi usado por uma colônia de Abelhas Jataí, que sobre os restos do mal produziram o mais doce mel. Dona Zezé vive religiosamente sua aposentadoria e fala pouco daquilo que não presenciou, resguardando dizer o que racionalmente aconteceu, mas não dizendo o que é de apelo popular, se restringindo aos fatos que a história real jamais irá desmentir.