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Domingo,12 de Janeiro

Leitura sem censura - Arthur Bispo e a vanguarda louca - por Adilson Cardoso

Jornal O Norte
Publicado em 13/05/2008 às 10:28.Atualizado em 15/11/2021 às 07:32.

Adilson Cardoso


adilson.airon@mail.com



Há algum tempo venho trabalhando algumas questões dentro da arte que envolvem a loucura, esse estado misterioso em que a pessoa adquire outra personalidade. Ao mesmo tempo em que se fecha em tristeza profunda, também se abre para um mundo alternativo totalmente contrário ao que vivemos. Esse novo olhar às vezes agressivo, imoral e  anti-higiênico, adquire uma sensibilidade notável. 



Neste universo viveu Arthur Bispo do Rosário, descendente de escravos africanos, criado por família da nobreza carioca, foi marinheiro durante a juventude, levando uma vida normal, porém, na noite de 22 de dezembro de 1938, despertou com alucinações, dizendo que havia recebido uma mensagem de Deus, que ele  era encarregado de julgar os vivos e os mortos. Dois dias depois foi detido pela polícia como negro, sem documentos e indigente, conduzido ao Asilo Dom Pedro ll (Hospício da Praia Vermelha). Após um mês de internação, foi transferido para a colônia Juliano Moreira, no subúrbio de Jacarepaguá, sob o diagnóstico de esquizofrênico-paranóico.



Bispo passou, então, a produzir objetos com diversos tipos de material, oriundo do lixo e da sucata. Após a sua descoberta seria classificado como arte-vanguardista, e comparado com a obra de Marcel Duchamp. Uma produção bastante diversificada, indo de temas ligados ao mar, lembranças da infância, como faixas e utilitários. 



Louco e gênio, Bispo não parecia ter noção da arte que produzia, um fanatismo imensurável lhe obrigava a dizer que tudo aquilo que fazia era para Deus, mesmo que os olhos dos admiradores contestassem pela plasticidade rompedora da sua criação. Uma das grandes incentivadoras da arte de Arthur Bispo foi, sem dúvida, a psiquiatra revolucionária, criadora da Casa das palmeiras, e o Museu do inconsciente Nise da Silveira. Na época do primeiro contato, foi na primeira internação de Bispo no Dom Pedro II, algum tempo depois a própria disse que “o inimaginável mundo de Arthur coleciona inspirações numa versatilidade além do normal”.



Bispo julgou a arte ao seu ver e deu a sentença que desejava, foi louco sim! Doido pela magia da sobreposição, do bordado que saía literalmente de dentro das suas vísceras, por tamanha realidade que se misturava ao todo. Foi um Duchamp, um Van Gogh, um Lautrec, um poeta embevecido que não se preocupou com o tempo, com a vida que precisava ser cozida com outras palavras. Viveu loucamente a sua maneira, asilado por 50 anos, numa clausura que os relatos apenas supõem, sem fazerem juízo de dor ou maus tratos numa época insalubre e desumana na questão psiquiátrica. Uma das mais conhecidas de suas obras é o manto da apresentação, que era para ser usado por Bispo, segundo ele, no dia do juízo final. Infelizmente, sua vontade não foi atendida. Hoje, o mundo inteiro conhece a obra do artista louco que morreu aos 78 anos, acreditando ser o mensageiro responsável por julgar vivos e mortos que, na realidade, acabou provocando uma intensa reflexão em todo um sistema.

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