Há exatamente 80 anos nascia na cidade de Rosário, na Argentina, Ernesto Guevara de lá Serna. O Che, apelido que ganhou no México, por estar sempre usando a expressão para falar com os outros. De família aristocrática bem articulada financeiramente, porém bastante politizada, num ambiente bastante voltado para a esquerda.
Che, por problemas de asma, precisou ficar muito em casa quando a crise lhe impedia de ir à escola. Assim, precocemente o futuro guerrilheiro mergulha nas obras de Júlio Verne, Cervantes, Garcia Lorca, Dostoievski e uma série de outros. Com incrível espírito de liderança, logo se vê solicitado em todas as questões reivindicatórias da escola. Mesmo sem pertencer a qualquer grupo estudantil, causa simpatia em alguns e atrai a antipatia de outros, pois era atrevido naquilo que lidava. Fascinado por viagens, projeta uma bicicleta motorizada e percorre todo o Norte argentino com uma mochila nas costas. Depois se inscreve como enfermeiro da Marinha mercante e viaja por vários países, inclusive passando pelo Brasil.
Em 1952 faz a célebre viagem de dez mil quilômetros com seu amigo Alberto Granado, que se transformou em filme - O diário da motocicleta. Durante oito meses percorre cinco países. Essa viagem, também segundo historiadores, é o marco da vida do aventureiro, que conhece a pobreza, a injustiça e a arbitrariedade contra aqueles que não têm o poder do dinheiro.
Na volta a Buenos Aires, retoma o curso de Medicina, que fazia antes do início das viagens, e se forma no ano seguinte. Menos de um mês após diplomado, Che parte para sua missão ideológica, de formar guerrilhas para derrubar os governos tiranos da América Latina. Em San Jose da Costa Rica, conhece dois cubanos exilados: Calixto Garcia e Severino Rossel, que conseguiram escapar da tentativa de tomada do Quartel Moncada, em Cuba, liderado por Fidel Castro, que foi capturado.
Com os dois, Che vai até a Guatemala e faz contato com outros cubanos expulsos pela ditadura de Fulgêncio Batista. Cada dia mais convicto da idéia de revolução, parte para o México levando consigo a ativista de esquerda Hilda Gadéia, que está esperando uma filha sua; casam-se e nasce Hildita.
Sobrevive de pequenas consultas, venda de enciclopédias de porta em porta e artigos científicos que escreve sobre alergia. Ainda trabalha como fotógrafo. Em junho de 1955 é apresentado ao líder estudantil cubano Raúl Castro, recém saído de uma prisão naquele país. Dias depois conhece o irmão de Raúl, Fidel Castro, que acabara de receber anistia de Batista. Sabendo dos planos de tomada do poder em Cuba, Guevara alista-se para o treinamento armado dois meses depois de conhecer Fidel. Após oito meses de luta, triunfa a revolução cubana, Fulgêncio Batista foge e o ano novo de 1959 chega com o socialismo. Os seguidores de Marx e Lênin estão no governo.
Mas Ernesto Guevara de la Serna não queria o comodismo do poder, sua ambição era a liberdade como prêmio. Queria a igualdade entre os povos. Discordou de algumas posições do sistema soviético, grande aliado cubano, e não encontrou respaldo em Fidel, que achava ser preciso relevar algumas posturas daquele comando para que o governo revolucionário de Cuba permanecesse intocável.
Vai para o Congo e, depois, para a Bolívia. No primeiro, frustra-se com a falta de apoio e experiência para a luta pretendida; no segundo, após muitos meses na selva com seguidos ataques de asma e a desilusão do abandono do Partido Comunista local e segundo alguns, o próprio Fidel Castro não se esforçando para dar suporte ao que fora traçado como plano de guerrilha. No dia 07 de outubro de 1967 Che escreve as últimas palavras em seu diário:
“Eu fracassei, está tudo terminado. Eu nunca deveria ter sido capturado vivo”.
Dois dias depois, o homem que sonhou em libertar o mundo de toda opressão político-social estava morto com um tiro de fuzil no peito. E agora, aos 80 anos, ganha de presente uma estátua sua, na cidade em que nasceu. Milhares de idealistas lembraram, no último sábado, a importância do guerrilheiro para a América e todo o resto do mundo que sonha com igualdade.
Seu olhar inconfundível, na eterna lente de Alberto Korda, continua contemplando o horizonte, com um diferencial: deixou de estampar apenas as roupas da esquerda, pois o mundo capitalista que o matou usa seu rosto para aumentar o ganho. Cuba está em transição, o líder Raúl começa a abrir as frestas para entrada dos produtos antes proibidos, Bush sorri e Fidel descansa sob a sombra da vitória sobre o império estadunidense por quase cinqüenta anos.
Palmas para o vovô Guevara, que preferiu morrer antes de ver os partidos de esquerda trocando a ideologia pelos acordos para permanecerem no poder.